“Perdemos amigos, mas temos que seguir”, diz superintendente da SVS

O enfermeiro amapaense Dorinaldo Malafaia, mestre em saúde pública, falou sobre o atual momento, em que os óbitos estão quase repetindo o pico da doença no Amapá em 2020.
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Por MARCO ANTÔNIO P. COSTA

Após mais de um ano do início da pandemia de covid-19, a Superintendência de Vigilância em Saúde (SVS) assumiu um papel de protagonismo, pelo Governo do Estado do Estado do Amapá (GEA), nas ações de enfrentamento à terrível doença que assola o mundo inteiro.

À frente da superintendência, o enfermeiro amapaense Dorinaldo Malafaia, mestre em saúde pública, conta com uma equipe de técnicos de diversas áreas. O Portal SelesNafes.com entrevistou o gestor sobre o atual momento, em que os óbitos estão muito altos, quase repetindo o número de mortes do pico da doença no Amapá que foi em maio de 2020.

Como você avalia o atual momento?

R: Veja, o momento é muito crítico. Me desdobro entre o luto por amigos e colegas e as inúmeras tarefas diárias. Apesar de que, em maio, tivemos mais mortes [365], esse novo momento é contraditório. O lockdown funcionou, diminuímos 32,5% o número de novos casos. Na prática, são 1.771 vidas salvas. As internações também começaram a diminuir, foram menos 13%. Óbitos, no entanto, não diminuímos ainda. Por isso estou perdendo amigos como nunca na vida. Essa semana foi muito difícil. Perdemos amigos, mas temos que seguir.

E como dividir essas questões pessoais com o trabalho?

R: Honestamente? Não divide. É ir com o luto mesmo. Às vezes, chego esgotado em casa, física e psicologicamente. Tenho uma filha, aí é fortaleza. O abraço é importante e os cuidados também. Perdi o pai, mas antes da covid um pouco. Minha mãe foi vacinada semanas atrás, junto com as pessoas da idade dela. Minha esposa, ela também é da saúde, é médica infectologista. Ela é estrangeira, é italiana e trabalha na Guiana Francesa, tem uma enorme responsabilidade por lá, é uma técnica qualificada, aí você deve imaginar o quão difícil é pra gente se ver. Ela é fortaleza também, segura o rojão, nem que seja só por telefone.

Dorinaldo Malafaia, superintendente da SVS

Na sua opinião, porque o Brasil está perdendo tantas vidas?

Aí são vários motivos, mas acho que o principal é que faltou uma articulação nacional, do governo nacional com os governadores. Faltou uma liderança, que cabe ao presidente do país, chegar e dizer: “olha pessoal, temos as nossas diferenças, mas agora vamos dar uma pausa e trabalharmos juntos para salvar o nosso povo”. Era o óbvio, era o que tinha que ser feito em março de 2020. Nesse sentido, o papel que os governadores cumpriram tem sido fundamental. Eu participei de algumas reuniões acompanhando o governador Waldez e, na boa, se não fosse a pressão e a articulação dos governadores, o quadro seria muito pior.

As pessoas se esquecem, mas vamos relembrar. Lembram-se quando disseram que a covid ia ser fraca no Brasil porque aqui é calor? Lembram-se quando chamavam a CoronaVac de “VaChina”, só para desacreditar a vacinação? Houve quem dissesse, autoridades inclusive, que no Amapá teríamos no máximo meia dúzia de mortes. Esses também foram obstáculos e nossa saída sempre foi a ciência.

Já morreram mais brasileiros do que americanos na Guerra do Vietnã, mais do que japoneses nas duas bombas atômicas da Segunda Guerra

Falando nisso, qual a perspectiva de saída?

R: Só com vacinação. O conjunto de medidas de proteção à vida, distanciamento, máscaras, etc., são fundamentais. Mas saída mesmo, só com a vacinação. O Brasil foi mal, como disse, relegou a vacinação a segundo plano por muitos meses. Tem algumas pessoas que pensam que isso é birra política, mas não é, é concreto: quem está perdendo entes queridos agora, poderia tê-los vacinados dez, quinze dias antes. Ou meses antes. Tenho um amigo que perdeu o pai e me falou isso, que se o pai dele tivesse sido vacinado, poderia estar vivo. E é verdade. Se o governo federal tivesse atuado de forma diferente, milhares de vidas seriam poupadas. Esse é o fato. E também a economia. É balela dizer que quem defende a abertura total é a favor da economia. Quem realmente quer a economia forte, o retorno dos empregos, tem que saber que o melhor dos cenários é um povo vacinado e sadio, capaz de produzir, trabalhar e comprar. O contrário disso é ignorância ou às vezes mau-caratismo.

Nossa grande aposta, além das cobranças diárias que o governador Waldez faz, é essa articulação com os governadores da Amazônia, do Nordeste e do restante do país. Eu sou da opinião que não estamos em um período comum, está morrendo gente no Brasil por dia mais do que morreu em qualquer guerra. Já morreram mais brasileiros do que americanos na Guerra do Vietnã, mais do que japoneses nas duas bombas atômicas da Segunda Guerra, então, a Anvisa não pode demorar tanto para liberar a utilização extraordinária de vacinas.

O conjunto de medidas de proteção à vida, distanciamento, máscaras, etc., são fundamentais. Mas saída mesmo, só com a vacinação

Se o Amapá conseguir receber, em abril ou maio, a Sputnik V, e até julho chegarem as 450 mil doses, teremos metade do povo amapaense vacinado no meio do ano. Seria fenomenal, um grande passo realmente. É nesse sentido que vejo uma saída.

E profissionalmente, como tem sido estar na SVS nesse momento?

É o maior desafio da vida, né, sem dúvidas. Foi um grande acerto naquele julho de 2017 quando Waldez tomou a decisão de desmembrar a vigilância em saúde da Secretaria de Saúde. Eu acreditava que implantar a SVS no Amapá tinha sido o grande desafio, o que também foi, mas nada se compara ao enfretamento da pandemia. Acho que posso dizer, acho no modo de dizer, porque tenho certeza, salvamos vidas, muitas vidas. Outro dia, caminhava com minha filha e meu cachorro. Era fim de tarde e um casal de idosos, sentados na porta de sua casa, cochicharam alguma coisa, ao voltar, dona Carolina, como ela se chamava, me parou e eu pensei, ´será que vou levar uma bronca na frente da minha filha? (Risos)’. E a senhora me falou que queria me dar um abraço, mas ia apenas agradecer, que a gente estava sendo gigante nessa luta e essas coisas. Pode ser, e mesmo achando exagero, fico emocionado em ver o trabalho de tantos ser reconhecido. É isso: os que estão na linha de frente contra a covid, talvez sejam gigantes mesmo. E a tarefa é só uma e continua: salvar vidas.

Seles Nafes
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