Candidato que entrou por cotas em Direito, é eliminado de Medicina

Justiça deu 72 horas para que a Universidade Federal do Amapá esclareça a questão.
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Por MARCO ANTÔNIO P. COSTA

Uma disputa que chegou aos tribunais tem dividido opiniões no Amapá. O sargento do Corpo de Bombeiros Juciley Barros da Silva, de 34 anos, foi eliminado na disputa por uma vaga no Curso de Medicina da Universidade Federal do Amapá (Unifap) na etapa de heteroidentificação, onde declarou-se como pardo – definição que a comissão responsável pelo tema, discordou e o eliminou.

No entanto, no também concorrido Curso de Direito da mesma instituição, Juciley teve a aprovação pela cota de pardos, tanto que já está no sexto semestre do curso. A Unifap afirmou que a forma de acesso através do sistema de cotas mudou de uma ocasião para a outra.

A inconsistência levou o sargento aos tribunais e, na tarde desta quinta-feira (8), o juiz Hilton Sávio Gonçalo Pires, da 2ª Vara Federal de Justiça no Amapá, determinou que a Unifap responda, em até 72 horas, sobre o pedido de antecipação de tutela formulado pela defesa do estudante.

A Justiça quer que a Unifap esclareça se Juciley ingressou em Direito através das “cotas destinadas a candidatos da rede pública de ensino com renda bruta per capita ou superior a 1,5 salários mínimos, autodeclarados pretos, pardos e indígena, não deficientes”. Caso sim, a universidade tem que responder se a comissão que o aprovou no passado e o reprovou no presente, é a mesma.

“determino à Unifap que proceda reserva de vaga, em regime de excedente (…), para a parte autora, sem prejuízo das já destinadas a outros candidatos que ostentam a mesma qualificação”, diz trecho da decisão judicial.

Juciley já é militar, por isto, sua carteira de identificação de bombeiro é documento que comprova sua regularidade com o serviço militar obrigatório. Fotos: Arquivo Pessoal

Juciley tem o sonho de cursar medicina e, por isto, nunca parou de estudar. Ele conseguiu a aprovação, por exemplo, no vestibular de Direito da Universidade de São Paulo (USP) em dos vestibulares mais concorridos do país.

Também teve aprovação no Curso de Engenharia Química da Universidade do Estado do Amapá (Ueap). Mas, gostaria mesmo é de cursar Medicina, o que está tentando fazer, com muito estudo, garante, há seis anos.

Dedicado, Juciley já foi aprovado em várias provas

Ele reclama da falta da objetividade nos critérios apontados pela comissão que o reprovou. Na ocasião, o parecer destacou:

“A referida comissão concluiu que diante da análise de heteroidentificação, não encontrou marcadores de negritude (preta e parda), configurando as características de pessoa não negra. Portanto, por decisão unânime da Comissão de Heteroidentificação o candidato foi considerado inapto por não atender as exigências do citado edital da Universidade Federal do Amapá através da ação afirmativa (cotas raciais), diz trecho do parecer datado de 23 de junho deste ano.

Este não foi o primeiro obstáculo que Juciley encontrou no concurso seletivo. Ele havia ficado na lista de espera em 2020 e foi eliminado por não ter apresentado certificado de reservista.

Ocorre que Juciley já é militar, por isto, sua carteira de identificação de bombeiro é documento que comprova sua regularidade com o serviço militar obrigatório, e, portanto, substitui a exigência do certificado de reservista. Juciley entrou na Justiça e ganhou a ação.

Juciley tem o sonho de cursar medicina e, por isto, nunca parou de estudar

“Pelo parecer deles, não colocaram critério nenhum, então eu fui eliminado por critérios subjetivos e para um concurso como um vestibular de uma universidade federal, isso é inadmissível, todos os critérios deveriam estar explanados em edital, o que não aconteceu aí. Para mim, poderia até parecer uma retaliação por conta do primeiro processo que movi contra a universidade devido à questão do certificado de reservista”, declarou.

Piadinhas e exposição

O militar afirmou que todos os seus documentos a vida inteira e, ainda, sua identificação pessoal, sempre foi como pardo e que ele e sua família estão sendo vítimas de piadinhas, como se estivesse tentando burlar alguma regra, quando, na verdade, justifica, está buscando justiça e isonomia.

“Pra mim é até uma situação vexatória, estou até sendo motivo de piadinha porque essa é uma situação constrangedora, tanto para mim quanto para minha família”, finalizou Juciley.

Além de excelente estudante, ele é muito apegado à família

Unifap

Sobre a decisão judicial, a Unifap declarou que ainda não foi notificada e que assim que tiver acesso ao processo, irá se manifestar.

Sobre o mérito da questão, a pró-reitora de Ensino e Graduação, Euda Gomes, explicou que o critério de acesso à universidade pelo sistema de cotas era feito de uma forma quando Juciley entrou para o Curso de Direito, mas atualmente, ocorre de outra maneira.

Veja a íntegra da manifestação da pró-reitora de Ensino e Graduação da Unifap:

“O Processo Seletivo 2018 regido pelo Edital n. 01, de 03 de janeiro de 2018 – PROGRAD/UNIFAP, para a verificação da cota racial bastava a autodeclaração do candidato. No Processo Seletivo 2020, com a instituição da Comissão de Heteroidentificação, formada por especialistas da área, a qual tem a competência de aferir a veracidade da autodeclaração para os candidatos negros ou pardos aprovados  em processos seletivos, no âmbito da UNIFAP, guia-se pela Lei nº 12.711/20-12, alterada pela Lei nº 13.409/2016, pelo Decreto Presidencial nº 7.824/2012, pela Portaria Normativa nº 18/2012, do Ministério da Educação, pela Portaria Normativa nº 04/2018, do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, pelo Estatuto da Igualdade Racial instituído pela Lei nº 12.288/2010, da Presidência da República e demais legislações pertinentes ao caso.

Para concorrer às vagas reservadas a candidatos negros ou pardos, os candidatos deverão assim se autodeclarar no ato da inscrição para o processo seletivo, de acordo com os critérios de raça e cor utilizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

A autodeclaração dos candidatos, no ato da inscrição para os processos seletivos da Instituição, goza de presunção relativa de veracidade, que será confirmada a partir do procedimento de heteroidentificação, a se realizar anteriormente ao período de efetivação da matrícula.

A partir de 2020, a UNIFAP em consonância com e em obediência à Normativa nº 4, de 6 de abril de 2018, do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão que regulamenta sobre o procedimento de Heteroidentificação complementar dos candidatos cotistas, começou a adotar a Comissão de Heteroidentificação para análise de candidatos pretos, pardos e indígenas com procedimentos amparados pela citada regulamentação, além da autodeclaração do candidato”, diz a nota.

Seles Nafes
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