O cinema dos ‘cringe’ em Macapá e aquilo que nunca muda

O cinema dos ‘cringe’ em Macapá e aquilo que nunca muda
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Por MARCO ANTÔNIO P. COSTA

Em Macapá havia uma importante tradição em relação aos cinemas desde a época do Território Federal. Cito, sem maiores pesquisas históricas, o Cine Territorial, o Paroquial, Veneza, o Macapá, e lembro-me também do Cine Ouro, especializado em filmes “impróprios para menores”, por assim dizer.

Mas, por algum motivo que não sei precisar, me parece ter ocorrido um debacle no segmento e a maioria dos cinemas não mais traziam os lançamentos ou fecharam as portas. Era final da década de 1980 e início dos anos 1990, quando a “geração z” só existia nos sonhos de seus papais e quando o recém-inaugurado Teatro das Bacabeiras, abrigou a sala de cinema que fez a minha cabeça e da minha primeira galerinha.

Sim, o Teatro das Bacabeiras foi, por alguns anos, o melhor cinema de Macapá. Ali assisti: Esqueceram de mim, O rei leão, O pequeno Buda, do Bertolucci e alguns mais da Disney. O amigo economista Pablo Igor, contou-me que assistiu ao Drácula de Bram Stoker, aquele do Copolla com o Gary Oldman e grande elenco, no Bacabeiras também. Teria sido épico: passado em sessão única, disputada às filas quilométricas ao redor do teatro. Infelizmente, neste eu não estava.

O fato, caros “Z’s”, é que quando esse papo entra em alguma roda “cringe”, as memórias vem aos montes, repetem-se alguns dos títulos e surgem outros e todos rimos também pelo quanto parece-nos hoje surreal a ideia de que a principal sala de cinema de Macapá fosse em um aparelho público. E era ótimo!

Drácula, de Bram Stocker

Desta época me vem uma memória importante, mas antes quero descrever cenário e atores da aventura. Morador da região do Formigueiro, no centro de Macapá, o quintal de minha casa era o point vespertino de uma moçada que reunia moleques vadios da Mendonça Júnior, Padre Júlio, “Beco Avô do Dante”, Cora de Carvalho, a minha Mendonça Furtado e Presidente Vargas, em ruas que iam da Tiradentes à Eliezer Levy. Ou mais.

Era muita gente para se revezar durante a época de jogar bola – o ano inteiro! –, com as épocas de papagaio, peteca, as piras esconde e alta, bandeirinha e taco ball (nosso primo pobre e divertido do chato baseball americano).

Com sete anos de idade, em 1992, eu era o inequívoco caçula e mascote da turma, um pouco angariada pelo meu irmão Paulo Armando, dois anos mais velho que eu, outros tantos eram coroinhas da Igreja de São José que gazetavam as missas e, por vezes, tinham que sair às pressas para tocar o sino atrasados. Outros vieram do Guanabara e alguns tantos eu não faço ideia, mas ali compareciam.

Mas este era um dia especial. Seria uma primeira ou segunda saída minha apenas com os amigos, sem os pais ou irmãos mais velhos (só com o Paulo). No dia fomos assistir “Esqueceram de mim” e, se eu gosto até hoje, imaginem como fora na época.

Macaulay Culkin, protagonista de filme Esqueceram de Mim

Na saída, estavam: eu, Paulo, Tatal, Edylan, Ednaldo Thuck, Rafael Troncudo, Sansão, Glauber Tamatá, Wiliam Pintinho e outros que a memória acabou, me perdoem, me traindo. Ainda na Travessa Mário Cruz os meninos maiores começaram a correr: “Lá vem os sapateiros cheira-cola”, alguém gritou.

Primeiro fiquei parado, sem entender porque os amigos começaram a correr e porque os meninos engraxates corriam. No entanto, corri. Corri como não houvesse amanhã, mas com as pernas mais curtas, pequenino, todos se distanciaram e eu fui ficando pra trás.

Tatal e Edylan eram meus melhores amigos, e perceberam quando eu – um chorão inveterado até hoje –, chorava tentando correr mais rápido. Tatal ficou e me ajudou, me apoiou e, depois de segundos que pareceram uma eternidade, chegamos ao lado da Igreja Matriz, salvos.

Sapateiros eram chamados de cheira cola

Não éramos ricos, mas tínhamos casa, roupa, o que comer e cidadania o suficiente para irmos ao cinema. Éramos de uma outra geração que, sem juízo de valor, era criada de outra forma. Brincávamos soltos por aí, e deu no que deu, nem sempre ganhamos, nem sempre perdemos e seguimos. Quanto a isso, não quero polêmica sobre qual geração seria a “melhor”.

O grande problema para mim, não está entre cringes, y, milennials ou z. O problema está no fato de que quase 30 anos depois, eu continue me deparando com os “sapateiros cheira-cola” nas ruas de Macapá, hoje vendendo balas ou apenas pedindo dinheiro ou comida.

“Esqueceram de mim” não era, afinal, sobre um garoto loirinho de Chicago. Era, e ainda é, sobre as nossas crianças esquecidas e sobre esse nosso mundo que teima em não mudar.

Se hoje, já menino grande, não tenho mais medo dessas crianças, o que eu tenho medo, meu bom Deus, é de que um dia eu comece a achar tudo isso normal.

Seles Nafes
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