A difícil vida dos motoristas de aplicativos no Amapá

A Uber sequer tem escritório físico no Amapá, e os motoristas e passageiros só conseguem falar com a empresa através de chats, nem ligações telefônicas existem mais.
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Por MARCO ANTÔNIO P. COSTA

Gasolina caríssima, ruas esburacadas, assaltos, clientes bêbados e vários tipos de abuso, inclusive sexual. Estes são alguns dos perrengues diários da vida de pelo menos 2.500 amapaenses que hoje são motoristas de aplicativos. O número carece de atualização e pode ser muito maior.

O serviço que surgiu no mundo como uma grande novidade de popularização no transporte individual de passageiros, vem demonstrando – e não é de hoje – que pode estar chegando perto do seu limite, com crises constantes em várias partes do mundo.

De um lado, lucros exorbitantes de grandes companhias que ficam, como no caso da Uber, em São Francisco, Califórnia, nos Estados Unidos da América, e de outro, transformações no mundo do trabalho, a chamada “uberização”, com jornadas de em média de 12 horas diárias para conseguir, no máximo, a sobrevivência.

Este dilema mundial também é muito sentido no Amapá e, se por um lado, os usuários têm aumentado bastante as reclamações, principalmente por conta de viagens canceladas, por outro há uma realidade bastante dura.

O perfil destes trabalhadores é quase sempre o mesmo: jovens desempregados, muitos ou alguns deles com nível superior, mas que desde a crise econômica iniciada em 2008 têm dificuldades de colocação no mercado de trabalho formal.

Motoristas sofrem ruas esburacadas, assaltos, clientes bêbados e vários tipos de abuso. Fotos: Marco Antônio P. Costa e Arquivo SN

O Portal SelesNafes.com conversou com Karine Michelle da Silva Queiroz, de 34 anos, motorista de aplicativos há três anos, e que contou um pouco da sua rotina e de seus colegas.

Para ela, a dúvida sobre se ainda está valendo a pena ser motorista de aplicativo é real, pois após 12 horas de trabalho, é comum que se tenha algo como R$ 50 de saldo, afirma. No fim do mês, é o dinheiro de algumas contas e da alimentação, do básico para a sobrevivência.

Apesar dos combustíveis terem tido um aumento expressivo, as taxas que as operadoras repassam aos motoristas não aumentaram, nem o valor das corridas.

Além disso, a situação das ruas e vias de Macapá e Santana são terríveis, fazendo aumentar os gastos com a manutenção dos carros.

Como se isso já não fosse problema suficiente, relata Karine, há o perigo e, às vezes, uma relação difícil com clientes e abusos.

Karine é motorista de aplicativo há três anos

Quanto aos abusos, ela esclarece que se engana quem pensa que são apenas as motoristas mulheres que sofrem – embora sofram muito. Mas os homens também são vítimas.

Ela nos enviou um print de um colega. O passageiro assina com o nada singelo pseudônimo de “boquetao”, em uma clara referência à sexo oral. É a forma como quer pagar corridas. Quando é motorista mulher, ele cancela, e só aceita homens, para tentar se satisfazer.

Uma mulher pede uma corrida e, ao perceber se tratar de uma cilada, o motorista é chamado de medroso. Foto: Reprodução

Em outros casos, pesa a questão da segurança. Uma mulher pede uma corrida e, ao perceber se tratar de uma cilada, o possível bandido o acusa o motorista de ser medroso.

Ultimamente, as operadoras diversificaram os tipos de corrida e os carros estão funcionando também como lotações, onde sobe um passageiro, desce outro, substitui, e entra gente com carga, pessoas bêbadas, querendo fazer verdadeiros fretes e tantas outras faltas de sensibilidade e noção, para uma corrida de, por exemplo R$ 10.

Não são poucos os casos de vômito e até pessoas que defecaram nos carros dos motoristas que, obviamente, sempre tem que apresentar o carro o mais limpo possível.

O serviço piorou?

Por tudo que está colocado, sim. Se antes clientes ganhavam balinha, água e outros brindes, hoje a luta é para conseguir uma corrida. As operadoras, por outro lado, ao invés de aumentarem o suporte para os motoristas, tem diminuído, sendo constantes os “ganchos”, as suspensões por tal ou qual reclamação que nem sempre é devida.

Passageiros penam para conseguir uma corrida

A Uber sequer tem escritório físico no Amapá, e os motoristas só conseguem falar com a empresa através de chats, nem ligações telefônicas existem mais. É o investimento mínimo e lucro máximo.

Karine confirma os cancelamentos e explica que, na maioria dos aplicativos, o destino só pode ser visualizado após a aceitação da corrida. Passageiros suspeitos, corridas que irão custar R$ 4,00 de tão curtas ou também as muito longas, como por exemplo Macapá para Santana por R$ 18, fazem com que ocorram os cancelamentos.

Jarine: “Parece vida fácil, mas só sentindo na pele pra saber como é”

“Você iria de Macapá para Santana por 18 reais? Em uma corrida de 4 reais? Em área de risco durante a madrugada ou em qualquer hora do dia, porque agora está perigoso o dia todo? Pense um pouco”, questiona Karine.

A jovem fala que também o consumidor pode optar pelos aplicativos locais, que pode ser que resida aí uma alternativa de melhora no serviço e na vida destes trabalhadores, mas sem nenhuma garantia de que isso ocorra.

Karine trabalha desde as primeiras horas da manhã até muito tarde da noite para garantir o sustento do seu filho e o próprio. Por isto, pede empatia às pessoas, a todo mundo que pode conseguir entender o que está acontecendo e que de todos os lados há uma história de vida, um dia geralmente pesado e difícil por trás.

“Mais empatia com os motoristas de App. Nosso trabalho é dirigir por horas, nas ruas de Macapá. E lidando com pessoas de todas as idades, classes e temperamentos. Parece vida fácil, mas só sentindo na pele pra saber como é”, finalizou Karine.

Seles Nafes
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