Botos no Rio Cassiporé surpreendem pesquisadores

Especialistas estão impressionados com grande ocorrência no Rio, que fica ao norte do Estado do Amapá.
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Por MARCO ANTÔNIO P. COSTA

Para os ribeirinhos e moradores de Vila Velha do Cassiporé, no município de Oiapoque, não foi novidade, mas pesquisadores estão surpresos – e animados – com a ocorrência de botos vermelhos e também o boto tucuxi no Rio Cassiporé, no norte do Estado.

O motivo da surpresa é que o Rio Cassiporé é genuinamente amapaense, sem ligação com outros rios. Assim como o Araguari, que nasce no Tumucumaque, o Cassiporé nasce nas serras que existem no Amapá, do centro para o oeste do Estado. A Serra Lombarda é de onde sai toda a água que, quilômetros depois, deságua no Oceano Atlântico.

A principal hipótese é que estes animais tenham conseguido entrar pelo oceano, aproveitando-se de períodos em que a força das águas do Rio Amazonas invade o mar, permitindo essa transição. No popular, poderíamos dizer que esses botos foram “abeirando” até entrarem no Cassiporé.

Estas e outras conclusões, são parte dos estudos e pesquisas feitos pelo Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, em parceria com instituições como a ONG WWF e o Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Amapá (Iepa).

O portal SelesNafes.com entrevistou Miriam Marmontel, líder do Grupo de Pesquisas em Mamíferos Aquáticos Amazônicos, do Instituto Mamirauá. Ela contou um pouco das curiosidades e desafios da pesquisa. Acompanhe em entrevista.

Pesquisadores querem saber como…

… botos estraram no, praticamente isolado, Rio Cassiporé, Fotos: Bernardo Oliveira e Instituto Mamirauá

Portal SN: Por que é uma surpresa a ocorrência de botos no Rio Cassiporé e como eles foram parar lá?

É uma surpresa encontrar botos vermelhos no Rio Cassiporé porque este rio nasce dentro do Amapá, sem conexão alguma com a bacia do Rio Amazonas (que é o ambiente comumente conhecido como de distribuição do boto), e deságua diretamente no oceano. Imaginamos que eles tenham entrado pela foz do Rio Cassiporé, a partir do mar. O volume de água do Rio Amazonas cria uma “pluma” de água doce ou levemente salobra, que se desloca pela maior parte do ano da foz até as Guianas, e talvez até a foz do Orinoco. Os animais, em algum momento (atual ou histórico), pegaram “carona” nessas águas e chegaram até o Cassiporé.

Pesquisadores percorrem Cassiporé em busca dos animais aquáticos para estudo

SN: Como é a população, número e variedade, de botos nos rios amapaenses?

No Amapá, temos registradas duas espécies de botos de água doce (há outras, espécies marinho-costeiras). Nosso grupo já documentou, por exemplo, o primeiro registro de golfinho de dentes rugosos, coincidentemente na região próxima ao Cassiporé – além disso há espécies de baleias que ainda não haviam sido registradas para o Estado – tudo em função do pouco esforço que tem sido feito até recentemente com relação a mamíferos aquáticos na região.

Então, temos o boto vermelho, que ocorre também na parte baixa do Amapá, próximo à foz, e onde já há conexões com a bacia do Amazonas – e aqui outra curiosidade: recentemente as alterações no Rio Araguari fizeram com que esse rio, através dos canais cavados, ou aumentados pelo pisoteamento por  búfalos, rompesse um trecho e passasse a se conectar diretamente com o Amazonas. E, além do boto vermelho, há o tucuxi, o representante de água doce do ‘boto cinza’, ambos do gênero Sotalia. Sabemos que ambas espécies de Sotalia ocorrem no Amapá, mas ainda não sabemos até onde o boto cinza entra em águas interiores, estuários, ou quanto o tucuxi sai e se aventura também pelo mar (talvez usando a mesma estratégia do boto vermelho).

Pesquisadores tentam captura…

… de um dos botos para estudo

SN: Uma ocorrência “normal” de botos pode indicar boa saúde dos rios? Como estão os rios amapaenses?

Sim, a presença de botos também sinaliza a presença de populações saudáveis, ou pelo menos diversas de peixes, alimento quase exclusivo desses mamíferos aquáticos. Voltando um pouco à tua pergunta 2, não temos estimativas de abundância dos botos no estado ainda. Fizemos uma primeira tentativa no próprio Cassiporé, mas os números foram baixos; seria necessário repetir, e desenhar exatamente um momento mais propício para este trabalho. Também seria necessário amostrar diversos rios, pois as abundâncias não são homogêneas em todos os locais (e sobre isto já temos experiência na bacia amazônica, pois há distintos tipos de água, ambientes, abundância íctica, quantidade de ameaças). Falando em ameaças, os rios do Amapá não estão isentos delas, o que certamente afeta as populações de botos em algum grau, ainda não totalmente esclarecido. Por exemplo, essas alterações de habitat no Araguari alteram a fauna e o fundo do rio. A construção de hidrelétricas, se não isolar populações (o que parece não ter ocorrido no AP), certamente altera todo o ciclo hidrológico do rio, vazão, e consequentemente a diversidade de peixes. E, ainda temos o caso do mercúrio, que é bastante acentuado em alguns locais do Amapá. Nosso grupo já amostrou botos para examinar mercúrio no Tapajós e em outras áreas amazônicas fora do Brasil, e todos apresentam um nível geralmente acima do que seria recomendado pela OMS (para consumo humano). Neste momento ainda não sabemos exatamente qual o impacto sobre a saúde do boto (pois botos marinhos se valem de um mecanismo de ‘proteção’ ou ‘mitigação’ da quantidade de mercúrio por apresentarem em seus organismos quantidades equivalentes de selênio. Para saber exatamente, teremos que fazer pesquisas a nível subcelular, mas baseado no que se sabe sobre outros mamíferos (inclusive nós), o Hg é cancerígeno e pode afetar cognição e reprodução.

Segundo Miriam Marmontel, é uma surpresa encontrar botos vermelhos no Rio Cassiporé porque este rio nasce dentro do Amapá, sem conexão alguma com a bacia do Rio Amazonas

SN: Quais foram os desafios da pesquisa e quais os próximos passos?

Temos tido muita colaboração de moradores locais, o que sempre facilita o trabalho de um pesquisador que não é originalmente da área. Um dos maiores desafios que enfrentamos com os estudos no Amapá tem sido justamente o fato de que o ambiente é tão distinto daquilo que estamos acostumados. Fazemos pesquisas na Amazônia de água doce há anos, mas quando fizemos uma tentativa de captura de botos no Cassiporé, nos deparamos com algo totalmente diferente de nossos lagos tranquilos de águas calmas: encontramos a pororoca, as marés diárias, fundo de pedra que de certa forma nos ‘tiraram do prumo’. Embora tenhamos feito várias adaptações, no momento, não conseguimos capturar animais (até porque não eram muito abundantes). Na verdade, até capturamos uma mãe com cria, mas a mãe escapou e soltamos o filhote imediatamente para não correr o risco de separá-los ou gerar um stress que pudesse comprometer a saúde de um deles ou de ambos.

Principal hipótese é que tenham conseguido entrar pelo oceano, aproveitando-se de períodos em que as águas do Amazonas invadem o mar

Mas com essa primeira experiência e o apoio das pessoas do local, aprendemos muito e estamos preparados para retornar e ter sucesso na próxima tentativa. A nível costeiro o ambiente também é distinto, com seus grandes manguezais e praias de lama e dificuldades logísticas de transitar por esses ambientes. Mas novamente estamos aprendendo e nos adaptando à nova realidade para poder executar nossas ações adequadamente e desvendar os mistérios dos botos do Amapá para divulgá-los ao mundo.

Seles Nafes
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