Por MARCO ANTÔNIO P. COSTA
Uma cena da cidade me chamou a atenção num fim de tarde. Vários garotos puseram travinhas no meio de uma rua do bairro Renascer para jogar futebol. Nada de muito anormal, a não ser pelo fato de que um time ostentava um capitão com a camisa do Internacional e o do outro time uma camisa do Grêmio.
Sorri de canto de lábios, pois sabia que estava vendo um improvável GreNal há mais de três mil quilômetros de distância de Porto Alegre, nos limites setentrionais da Amazônia brasileira! Parei.
Vitor Ícaro Silva da Conceição, 14 anos. Ricardo Santos Cardoso, 12 anos. Estes são os dois garotos que, junto a sua animada patota, jogavam o mais tradicional e gostoso futebol de rua com travinha, no bairro Renascer, logo após a rua Socialismo, na zona norte de Macapá. Impossível não lembrar também da minha patota, que um dia, sem que nenhum de nós soubesse, jogou sua última pelada no Formigueiro.
O futebol não conhece barreiras geográficas e seus mistérios e encantos atravessam fronteiras no momento em que um gol é tão empolgante, quanto irresistível. É momento singular, do abraço, do grito, da comemoração. Era o historiador inglês Eric Hobsbawn que dizia que o futebol é a religião laica do proletariado, e ele estava coberto de razão. Pequenos meninos de Macapá e em milhares de ruas e vielas deste imenso país convertem seu espaço limitado em verdadeiros templos do futebol. E a topada que arranca a cabeça do dedo, às vezes nem tira o artilheiro de campo, tão grande é o sonho de todo menino em ser jogador de futebol.
O que usava a camisa do Colorado, Vitor, confessou torcer mesmo para o São Paulo, mas que gosta do Inter e de suas cores. Já o gremista contou-me ter sido pragmático: passou a torcer para o tricolor gaúcho após a campanha vitoriosa da Libertadores de 2017. Aquele título o fez decidir-se pelo Grêmio. Entre os outros garotos havia torcedores do Vasco, Flamengo, Palmeiras e Fluminense. Infelizmente, os tempos áureos do futebol amapaense ficaram suficientemente no passado para que nenhum deles tenha referência em um dos times amapaenses. Uma pena.
Mas não importa. Essa cena da cidade, do cotidiano, fez com que por aqueles poucos minutos eu recordasse e me emocionasse. Nas palavras de Eduardo Galeano, “o futebol é uma alegria que dói”. Dói quando perdemos, dói quando não jogo mais com a minha turma. Mas ouso dialogar com o mestre uruguaio, sei que permitiria: aqueles meninos, Galeano, são o futebol da alegria que não dói, eles são a alegria latino-americana deste povo sem pernas, mas que caminha e corre atrás de uma bola.