Juiz afasta policiais penais e interdita ‘pavilhão da tortura’

Segundo o juiz João Matos, há relatos e provas de excesso de violência e constrangimentos supostamente praticados por membros do GTP
Compartilhamentos

Por SELES NAFES

Três policiais penais apontados como responsáveis por torturas foram afastados das funções por ordem do juiz da Vara de Execuções Penais de Macapá, João Matos Júnior. Numa longa decisão de 19 páginas, o magistrado afirma haver uso excessivo de violência por parte dos agentes, e até a existência de um pavilhão destinado somente a torturas físicas e psicológicas, para onde são mandados os presos que entram pela primeira vez no sistema carcerário.

A decisão foi gerada após uma inspeção que o próprio magistrado fez ao Iapen este mês. No relatório escrito por ele, Matos cita depoimentos formais de presos que relataram uma série de irregularidades que incluem constrangimentos durante a revista de celas, violência, nudez em frente a policiais femininas, espancamentos, e uso de bombas de gás dentro das celas mesmo em situações de calmaria.

Um dos pontos que mais chamam a atenção no relatório é a existência de um pavilhão sem água, luz, colchões e higiene onde presos novatos ficam até 14 dias com a mesma roupa e sem visitas. Nesse mesmo pavilhão, o F5, os detentos também não recebem os kits de higiene pessoal fornecidos pelo sistema carcerário ou enviados pelas famílias.

Também há relatos de sessões de espancamento que durariam horas, especialmente de detentos flagrados em tentativas de fuga. O magistrado cita vários depoimentos, mas cinco deles foram determinantes para as decisões.

Os detentos acusaram o GTP de usar bombas de gás dentro das celas como se fosse uma rotina. Nas revistas, os presos disseram que são colocados sentados nus, na frente inclusive de policiais femininas, “encaixados” um atrás do outro, com as genitálias encostando no detento da frente. Eles seriam obrigados a permanecer nessa posição por até duas horas, debaixo de chuva e sol.

“Nessas abordagens, os presos (os separados ou os que permanecem nas celas) não podem se levantar e são obrigados a permanecer no local e urinarem-se e defecarem-se uns nos outros, sem que espancamentos individuais e coletivos cessem”, narra ele.

“Tal inacreditável episódio é coroado com a queima e destruição das roupas retiradas no momento da revista das celas. Não foi por outro motivo que, em sua maioria, encontrei pessoas com apenas a roupa do corpo e sem nenhuma outra para trocar. Roupas sujas, molhadas e em farrapos, foi o que encontrei”, acrescenta.

Visitas serão retomadas em todos os pavilhões. Foto: Olho de Boto/SN

Juiz João Matos: bomba explodiu em cela durante vistoria. Foto: Tjap

Bope

Os detentos elogiaram a atuação do Bope, afirmando que os policiais militares são mais humanizados por permitirem a ida aos banheiros durante as revistas, ou que vez ou outra os detentos possam se levantar.

Durante a vistoria, o juiz disse ter ouvido o barulho de uma explosão no pavilhão F2, e se dirigiu para lá. Ao chegar, percebeu que mais uma bomba de gás havia sido jogada dentro de outra cela, fazendo com que a fumaça se espalhasse por outras partes do pavilhão.

Diante de fotos e depoimentos, o juiz tomou várias decisões. Além de afastar e mandar investigar três servidores, um deles da coordenação de segurança interna, ele também determinou a apuração da conduta de dois policiais que soltaram a bomba quando ele estava fazendo a vistoria. Questionados pelo magistrado, eles não teriam conseguido justificar o uso da arma.

O juiz João Matos proibiu:

– O uso de bombas, spray de pimenta sem autorização fundamentada da direção do presídio;

– Revistas com nudez absoluta;

– Utilização de armas letais no interior dos pavilhões;

– Destruição de roupas;

Detentos disseram que policiais do Bope agem de forma mais humanizada

Ele deu prazo de 90 dias para que o Iapen apresente um plano de fornecimento de colchões novos (que não seriam trocados há 3 anos) dentro do prazo de 90 dias; e a adoção de medidas para proteger a integridade dos cinco detentos que prestaram depoimentos formais.

“A visita da família, como já disse em outra oportunidade e autos, reconstrói na pessoa a afeição necessária para realizar a caminhada humana de recuperação”.

Por fim, o juiz determinou:

– Interdição do F5

– A reabertura do acesso às famílias dos detentos no prazo de cinco dias, em todos os fins de semana para todos os pavilhões, como ocorria antes da pandemia;

– A transferência dos detentos do semiaberto que estão no regime fechado;

– Aplicação de multa mensal de R$ 5 mil para cada autoridade ou policial que descumprir as decisões.

“Por mais alta e duradoura que seja a condenação da pena privativa de liberdade das pessoas sentenciadas, o tratamento dispensado pela polícia penal não pode ser o da redução da pessoa humana. E digo mais. A conduta do Grupamento Tático Prisional não visa apenas a disciplina da pessoa privada de liberdade, busca deliberadamente violar a dignidade da pessoa humana, quebrar o espírito e a sanidade mental”, resumiu.

Seles Nafes
Compartilhamentos
Insira suas palavras de pesquisa e pressione Enter.
error: Conteúdo Protegido!!