Da infância pobre para o comando do Bope

Conheça a história de superação do novo comandante do Bope do Amapá e seu segredo para o sucesso.
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O novo comandante do Batalhão de Operações Especiais do Amapá (Bope) chegou a vender quadro, capinar quintal e reparar carros para ajudar no sustento da família.

Em entrevista ao Portal SelesNafes.com, o major Iram Andrade dos Santos contou como foi a sua trajetória, desde o nascimento no meio da selva amazônica até chegar ao Amapá e se tornar comandante de um dos mecanismos mais importantes para segurança pública do estado.

Ele contou experiências em confrontos armados e porque o policial militar no Amapá deve ser considerado um herói. Acompanhe a entrevista:

De onde o senhor é? Como veio parar no Amapá?

Eu nasci no meio da selva no interior do Pará, no quilômetro 95 norte da Rodovia Transamazônica, próximo a Medicilândia, no dia 5 de abril de 1979, como diz a minha mãe: dez pra uma da tarde. Fiquei no interior até os cinco anos de idade – mais ou menos – quando aconteceu um fato que nos fez vender tudo e nos mudar para o Amapá.

Major Iram Andrade dos Santos contou como foi a sua trajetória. Fotos: Arquivo Pessoal

O que aconteceu?

Meu pai, que era um homem muito trabalhador, teve um acidente vascular cerebral (AVC) e passou seis meses sofrendo com isso. Minha mãe usou todos os recursos possíveis e imagináveis para tentar restabelecer a saúde dele, mas não conseguiu. Depois de seis meses, ele faleceu. Nós tínhamos quatro casas em Altamira, uma fazenda na Transamazônica, vendemos tudo e viemos aqui, pro Amapá. Aqui, a mãe comprou uma casa de madeira ali na Avenida Tupis. Nesse local, passei a minha infância. Minha mãe comprou um barco pra desenvolvermos um negócio. O meu irmão de 14 anos, e o outro de 13, eram quem administravam o barco. Muitas coisas aconteceram e para evitar um mal maior, a mãe decidiu vender o barco e recomeçamos do zero.

Como vocês fizeram para se manter, já que a única fonte de renda foi vendida?

Passamos por dificuldade e superamos todas. Não tenho vergonha de dizer que já capinei quintal, reparei carro na porta de festa, já vendi chop, vendi quadro… Trabalhamos de todas as formas para garantir o sustento da família. Todos os meus irmãos e eu, mesmo nas dificuldades, sempre fomos muito focados nos estudos. Eu visualizei nos estudos o caminho mais certo e seguro pra vencer na vida e sair daquela realidade de dificuldades. Tivemos uma participação muito efetiva na igreja, onde eu fui coroinha, fui de grupo de jovens e cheguei a ser convidado para ser padre. Dos 9 aos 15 anos treinei karatê, uma arte marcial que também tem uma parte filosófica. Me ajudou demais no autocontrole e autoconhecimento.

Major diverte criança em visita mirim ao batalhão

Quando você soube que queria seguir a carreira de policial?

Quando eu estava no terceiro ano do ensino médio, fiz uma análise macro da minha vida, eu decidi que teria que vencer através dos estudos. Não teria outra solução. Eu fiz karatê e cheguei a representar meu estado, mas cheguei à conclusão que o esporte, aqui, no Amapá, não dava dinheiro. Precisava de um retorno financeiro e via isso através dos estudos. Aos 17 anos me afastei da igreja, do karatê, do futebol e contra a vontade de muitas pessoas, foquei nos estudos. Trabalhei como estagiário na Eletronorte e aos 18 anos fiz o concurso na PM no ano de 1998. Em 6 de abril daquele ano foi o início do curso de formação de soldado. Confesso que inicialmente entrei na instituição por necessidade, porque eu precisava de dinheiro. Eu não tinha uma família que me desse um suporte financeiro, então, tinha que criar as minhas oportunidades, e, vi na PM essa oportunidade.

Iram, ao centro, nos tempos de Karatê com amigos

Ele chegou a defender o estado na modalidade

Mas no decorrer da carreira, a paixão pela profissão foi aparecendo?

Me identifiquei porque vi que a PM tem uma atuação social muito grande e que esta vertente de ajudar ao próximo fez com que eu seguisse carreira. Fui aprovado no concurso pra sargento em 2004. Em 2008, iniciei o curso de formação de oficial e voltei pra cá como primeiro colocado. Cheguei aqui como aspirante, em 2010, e tive que escolher entre três opções de local de trabalho. A primeira delas era o Bope. Em 2005, já tinha feito o curso, então, isso me habilitava. No final de 2010, entrei no Batalhão.

Major Iram: “Diante do crescente índice de violência no estado, o policial é um herói”

O que o senhor considera como uma grande conquista no trabalho junto à corporação?

No Batalhão chegamos a comandar o Canil. Inserimos o Canil da PM na operacionalidade da instituição. Eu tenho a grata satisfação de informar que comandei a equipe do Canil na primeira apreensão de drogas da instituição utilizando o cão de faro. Foi uma ação em parceria com a PF. Nós interceptamos um barco em Santana, onde foi apreendido 7 quilos de pasta base de cocaína. Foi a primeira apreensão após um árduo trabalho de treinamento do cão de faro. É motivo de orgulho para todos da equipe, do Batalhão e da Polícia.

Novo comandante diz ter a polícia no coração

O você acredita que o jovem que está no mundo do crime pode um dia se tornar uma pessoa melhor?

Acredito que sim. Eu nunca duvido da capacidade do ser humano. Mas, pra que haja essa mudança, alguma coisa tem que motivá-lo. E eu visualizo que o Estado Democrático de Direito precisa oportunizar possibilidades pra esse jovem. Precisa disponibilizar para ele ferramentas de capacitação para que saia do mundo do crime, caso contrário, vai ser sempre assediado, em tese, por uma vida fácil, de glamour, no entanto, uma vida muito curta, porque o criminoso segue dois caminhos: penitenciária ou vai morrer em confronto com a polícia ou com outros inimigos de facções.

Iram com aspirantes ao Bope

O que ocorre com os jovens para entrarem no mundo do crime?

Temos aqui no estado um número muito grande de jovens faccionados, que não têm domínio de uma capacitação técnica para que sejam absorvidos pelo mercado de trabalho, assim, acabam sendo assediados pelo crime. Então, precisamos de políticas públicas que possam redirecionar esse jovem ou adolescente para o caminho da retidão e de uma vida produtiva, de trabalho para contribuir com a sociedade.

em treinamento com turma de alunos do curso de Operações Especiais

O que o você pensa sobre a máxima de que “a polícia do Amapá é a que mais mata no Brasil”?

Eu não concordo com essa afirmativa. Ela sintetiza uma ideologia esquerdista que visa implantar o comunismo no Brasil. Quer desmerecer e diminuir as instituições militares justamente porque não tem como essa ideologia dominar. Diferente do que acontece nas universidades, nas instituições militares temos princípios que regem a nossa atuação. E os basilares são: hierarquia e disciplina. Então, o campo ideológico acaba tendo dificuldade de se inserir na instituição. Sobre a polícia que mais mata, na verdade, é a polícia que mais se defende, porque nós atuamos em conformidade com o ordenamento jurídico pátrio, com o conjunto de leis estabelecidas aqui no Brasil. Dentro deste ordenamento do Código Penal, nós temos as excludentes de ilicitude, e o PM, quando está em confronto, ele faz uso da técnica policial. Por que isso acontece?  Porque a capacitação continuada impõe que o PM siga a doutrina de abordagem e isso já salvou muitas vidas de policiais. Esse policial preparado – seguindo o ordenamento pátrio – ele decide se defender usando a excludência de ilicitude. E tem preparo técnico para se defender. Eu diria até, sem desmerecer nenhuma outra polícia, que nós temos a melhor polícia do mundo. Porque já que o Brasil vive quase uma guerrilha urbana, e a polícia matar se destaca, então nós temos a melhor polícia do Brasil. Diante do crescente índice de violência no estado, o policial é um herói, rapaz. A Polícia Militar do Amapá é uma instituição fantástica e extremamente compromissada com a causa pública e que se empenha ao máximo para dar essa resposta. A gente faz de tudo que a sociedade seja protegida.

Iram acompanhado de parceiros do Exército

Como comandante do Bope qual será sua prioridade?

Minha prioridade é conseguir motivar mais o policial, nosso herói, para que ele continue fazendo o seu melhor em prol da sociedade. É claro que eu, como gestor, preciso ter uma visão macro e proporcionar, fazer de tudo pra que nós tenhamos o efetivo necessário, a logística necessária, a melhor viatura, o melhor armamento e munição, para que quem esteja na linha frente – soldado, cabo, sargento que esteja na viatura – tenha o melhor material. Não dá nem pra dizer qual é a prioridade, até porque tem várias vertentes.

O senhor já se viu em meio a um confronto com bandidos?

Já me vi, sim. É um momento muito tenso, agressivo e de extrema violência. Nós recebemos treinamento e capacitação continuada para agir em todas as circunstâncias, inclusive em confronto armado. Então, quando passei por essa experiência, escutei bala zunir no meu ouvido. E eu não tinha um anteparo para me proteger, então, usando a técnica para diminuir minha silhueta, eu me deitei. Mas o que a gente pensa na hora? A gente age por instinto? Também. Mas, sobretudo, com técnica. Ali, deitado, me concentrei, em alça máxima, empunhadura visada [os princípios elementares de uso de arma de fogo] para que eu conseguisse acertar o tiro. Nós estávamos em equipe, eram dois infratores, foram alvejados e tão logo eles caíram no chão, afastamos a as armas deles e observamos que a segurança da equipe estava preservada. Providenciamos socorro de urgência e emergência, porque é o que rege nosso protocolo: preservar a vida, inclusive a do infrator. No entanto, com a chegada do Samu, conduziram os dois para o hospital, onde chegaram com vida, mas infelizmente não resistiram e vieram a óbito.

Iram: “nós temos a melhor polícia do mundo”

O que o policial pensa nesses momentos?

Então, a experiência de um confronto armado é muito agressiva e o que a gente pensa: aplica-se a técnica pra continuar vivo. Naquele momento, aplica-se a técnica para reagir à injusta agressão do bandido. Bandido esse que decidiu empunhar uma arma, praticar assalto, submeter as pessoas e humilhá-las e matar até. Eles estão dispostos a matar e se você não se defender, é provável que você vá morrer. Então, o policial militar aprende a se defender utilizando a técnica. Daí o motivo para eu ter uma admiração tão grande por essa instituição onde os policiais são preparados – abnegados até – e o treinamento de capacitação continuada é que possibilita a gente de continuar vivos e livres.

Iram também em outros batalhões

Como é trabalhar na PM do Amapá?

Aqui, na PM do Amapá, nós temos diversas frentes de atuação. Nós temos 14 batalhões e em alguns desses lugares você vai se identificar. De maneira que, quando você faz o que gosta, não trabalha nenhum dia, porque é satisfatório o que você está fazendo. E quando você vê o resultado do seu trabalho: a vida de uma pessoa salva, essa pessoa que teve a vida salva tem família, está trabalhando, aí você olha e diz: ‘puxa, Deus me usou para operar na vida daquela pessoa e possibilitar que ela continuasse junto da família dela’. É algo que não tem dinheiro que pague. Por isso que eu digo que é apaixonante.

Parceria com outros batalhões em ações integradas

Qual conselho você dá para os jovens que pensam em ser policial?

Estudem, estudem e estudem. Os três segredos para o sucesso é estudar, o segundo é continuar estudando e o terceiro é estudar mais ainda. Ser policial é uma profissão apaixonante, que possibilita você a ajudar a sociedade. Se afaste de bebida, se afaste de cigarro, só vai atrasar sua vida. Continue estudando, passe no concurso para sargento, para oficial ou em outro concurso que pague melhor, mas não pare de estudar. Porque na juventude é quando temos maior capacidade de absolver conhecimento, então use essa capacidade a seu favor.

Seles Nafes
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