Se o meu fusca falasse…

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Por ARNALDO SANTOS, advogado e professor

Vi a foto de um fusca velho certa vez, no blog da Alcinea e achei bacana. Lembrou uma história que aconteceu comigo, quando adquiri um fusca, no longínquo ano de 1988. O carro me quebrou um galhão quando comprei, mas depois….

Saía no fusca pela manhã e retornava só pela noite, já com a necessidade de manter os faróis acesos. O problema é que o bicho tinha uma pane eterna e sem solução na parte elétrica, e aí já viu: era ligar os faróis e o carro começava a querer parar.

Tempos de solteiro, morava só, e por isso mesmo os problemas do carro eram enfrentados com bom humor, quase alegria. Afinal, aquele era o meu primeiro carro!!!

Mas a coisa foi ficando cada vez mais difícil. Parece que o carro tinha vida, e por má vontade, toda vez que chegava na cabeceira da ponte da Lagoa dos Índios (isso mesmo, havia uma ponte de madeira ali), o bicho empacava e não saía do lugar.

Naquela época, morar onde eu morava (e moro até hoje) era como morar no interior. Após a 19hs a coisa mais difícil era passar uma viva alma para ajudar um pobre coitado a empurrar um carro, por esse motivo, eu era obrigado a usar da criatividade.

No local onde hoje está estabelecida a Choperia da Lagoa, funcionava o depósito do supermercado Brunswick, e no terreno do supermercado havia uma maloca, um belo campo de futebol gramado e um caseiro, que permitia que os moradores da região jogassem futebol todas as tardes.

Ressalte-se que o meu bairro na época em que fui morar lá era quase uma “Cidade de Deus”: não tinha ônibus, não tinha água, não tinha escola, não tinha asfalto, não existia celular e nem telefone nas casas, o que praticamente obrigava-nos a uma missão diária: jogar futebol no campo do Brunswick.

Desse modo, tínhamos com o caseiro quase uma irmandade. Por isso, toda vez que o fusca ficava no prego na cabeceira da ponte, eu empurrava o “bichinho” até a frente do depósito do Brunswick e gritava: HEI CASEIRO!!! Então o meu amigo vinha até a margem da estrada e me ajudava a empurrar o “bichinho” até a parte interna do depósito, deixando-o em local seguro.

No dia seguinte, quase diariamente, chamava o filho do vizinho dos fundos da minha casa (um fera em curiosidade na eletricidade de autos), que fazia uma gambiarra (desculpe amigo, mas era isso mesmo) e o “bichinho” já estava pronto para outra (até a noite).

Mas um dia a coisa cansou, e eu então comecei a querer me livrar do meu fusquinha. Foi então que meu amigo Gama, que trabalhava na CEA comigo, se engraçou do possante e me fez uma proposta irrecusável (qualquer proposta seria irrecusável!!).

Vendi o carro para o Gama, que ao sair da CEA esnobou um pedido de carona de nosso colega Ary Caxias (já falecido), só porque Ary gostava de tomar umas e outras antes e depois do trabalho.

O papo foi mais ou menos assim:

– Carrão em Gama? Me deixa lá em casa..

– Dá um tempo Ary. Pensa que esse é pra andar qualquer um? dá teu jeito…a parada é bem ali…

A bem da verdade, a parada de ônibus da empresa Estrela de Ouro que fazia a linha Nova Esperança ficava bem ali na frente da UBMA, e o Ary, um tanto quanto magoado, rumou para a parada e esperou por meia hora no sol implacável, até que o ônibus chegasse. Subiu no ônibus meio troncho, por conta de umas doses mal tomadas pouco tempo antes.

Foi então que Ary, da janela do ônibus que há poucos minutos entrara na Rua Leopoldo Machado, percebeu que havia um fusca parado exatamente na parada de ônibus localizada em frente ao SESI. Fixou seu olhar e, sentindo que até o porre já estava passando por causa do calor infernal de 2 horas da tarde, sentou do lado direito da janela e passou a prestar atenção no que estava acontecendo.

Nesse exato momento, meu amigo Gama levantou a cabeça e viu o ainda chateado Ary observando pela janela do ônibus. Então Gama implorou:

– Me ajuda Ary, o motor do fusca caiu!!!

Ary olhou-o com um olhar de desprezo e disse:

– Te vira macho, o meu carro não me deixa na mão…

No outro dia fui procurado por Gama, interessado em desfazer o negócio. Lamentavelmente já havia dado o dinheiro da venda como entrada em um Chevette 1983, senão…

Seles Nafes
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