E por falar em motivação para o trabalho…

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Por ARNALDO SANTOS, de Macapá

Hoje, ao pensar nas muitas histórias vividas ao longo de quase 45 anos de trabalho, lembrei de um “causo” do Potássio, um colega que trabalhou sob minha chefia em meados dos anos 80.

Potássio naquele tempo já era velho (hoje deve estar com uns 95). Mas era um velho, digamos, antenado. Curtia Rock and Roll, tinha cabelão e naquele tempo já usava tatuagem (daquelas de marinheiros ou presidiários, nem sei bem de que tipo). Mas a sua principal característica é que ele era chegado a uns psicotrópicos, barbitúricos, efedrinicos, ácidos licérgicos, chá de papoula, santo graal e outras cositas mais…

Potássio era, portanto, um noiado. Mas não um noiado qualquer….Potássio era quase um Tim Maia de tanta avidez pelas coisas energizantes. 

Quis o destino que o Potássio fosse logo trabalhar naquela empresa, o que coincidiu com a minha ascensão ao cargo de gerente na mesma seção. 

Logicamente que com aquele salário, Potássio nem sempre tinha condições de arcar com as pesadas despesas de seu hábito diário, e isso o fazia buscar experiências que as vezes chegavam à beira do inusitado.

Naquela época, na área de faturamento da empresa, havia uns relatórios em papel, cuja periodicidade mensal fazia com que o seu conteúdo impresso (naquela época não havia essa de “salvar em arquivo”) tomasse forma com a grossura de uma viga de concreto de um prédio, só que na horizontal. 

Pois bem, em dias de vacas magras, Potássio chegava na empresa um tanto, digamos, fissurado, dando a impressão que não teria tido nenhuma “animação” na noite anterior. 

Naqueles tempos usávamos muito aqueles corretores de erros (o chamado branquinho) que serviam para cobrir eventuais falhas de impressão, em tempos de máquinas de escrever. 

Pois não é que Potassio descobriu que aquilo “dava um barato”?

De repente, Potássio arrumava 4 pastas do tal relatório analítico setorial de faturamento, numa mesa que ficava no fundo de uma sala enorme, de uns 30 metros quadrados. Potássio então ficava ali, durante as 4 horas do expediente da manhã, cheirando o “branquinho” e buscando a necessária motivação para voltar para o expediente da tarde. 

Corretor antigo

Eu, que era um chefe zeloso e exigente com a produtividade da equipe, mas sempre preocupado e respeitador em relação aos meios que o colaborador usava para se motivar para o trabalho, comecei a aconselhar Potássio a respeito da necessidade de reduzir o seu tempo de “busca de motivação” e tentar buscar um tratamento, já que entendia necessário pelo risco de afetar sua saúde.

Também buscava motivá-lo a realizar algo, digamos, mais produtivo no ambiente de trabalho, já que, na linguagem popular, Potássio não fazia “porra nenhuma” a não ser cheirar branquinho e ficar noiado. 

Potássio passou anos trabalhando comigo naquela seção, mas infelizmente não descobriu outro meio de se motivar para o trabalho a não ser esse que ele tanto gostava. 

Passados muitos anos, já em meados dos anos 2000, este que narra a história assumiu a missão de presidir a mesma empresa, e entre muitos compromissos, viagens e reuniões, foi acometido de uma forte virose, que o levou a buscar atendimento médico sob pena de ficar inviabilizado de cumprir as inúmeras agendas exigidas para bem conduzir aquela missão. 

O médico, por sinal muito atencioso e preocupado, logo tratou de receitar um “coquetel” de remédios que, segundo ele, seriam “tiro e queda” pra afastar aquela enfermidade, obrigando este humilde narrador a tomar uma ‘tonelada” de remédios três vezes ao dia.

Certa vez, com o pensamento cheio de preocupações em relação aos compromissos diários, acabei esquecendo de tomar a primeira bomba em casa, o que me obrigou a encher um copo descartável de água e me dirigir até seu carro para ingerir aqueles “mil” remédios, na ânsia de se livrar da gripe.

Abri a porta do carro, peguei a receita pela mão, e foi olhando o nome e ingerindo um por um dos remédios receitados, até o limite de cinco, suavizando a acidez da ingestão com um bom copo de água gelada. 

Aí, para a surpresa deste cronista, assim que acabei de ingerir os remédios olhei para o outro lado do estacionamento e me espantei com a figura esquálida de Potássio, de braços cruzados, de cabeça erguida, com olhar fixo na direção do carro, e que naquele momento, sem nenhum constrangimento em relação às demais pessoas que passavam ali perto, proferiu o seguinte comentário, do alto da sua moral e história ilibadíssima:

“É, NÉ SENHOR PRESIDENTE? FAZENDO A CABEÇA AÍ, EM PLENO DIA. DEPOIS AINDA QUER FALAR DE MIM”.

Eu, logicamente, me senti sem argumentos para rebater a crítica, e tomei a decisão de nunca mais tomar remédios em meu local de trabalho. 

Potássio, hoje beirando os 95, continua jovem e gostando de se motivar para o trabalho.

(Arnaldo Santos Filho – Professor e Advogado)

Seles Nafes
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