‘Bandido bom, é bandido convertido’, diz ex-líder de facção no Amapá

Ele chegou a ser o número 1 no Amapá de uma das maiores facções criminosas do Brasil. Comandava crimes de dentro do Iapen.
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Por ANDRÉ SILVA

Dione Oliveira de Sousa é um amapaense que passou mais da metade dos seus 35 anos no submundo do crime. Tanto tempo lhe levou ao mais alto posto no comando no Amapá de uma facção com tentáculos dentro e fora do Brasil.

Depois de muitos anos na criminalidade, agora ele tenta liderar outro grupo de pessoas da mesma origem, mas para o lado do bem. Dione passou a fazer parte de outro ‘exército’, composto de ex-presidiários que ainda têm contato com criminosos, mas apenas para levar a palavra de Deus a eles.

O crime entrou na vida de Dione quando ele tinha 14 anos. Filho de pais separados, foi com o padrasto que ele aprendeu a roubar. Naquele mesmo ano passou pela primeira detenção, quando foi pego pela polícia durante um assalto.

“Depois que minha mãe se separou do meu pai, quando eu tinha 12 anos, ela se envolveu com outro cara. Essa cara já era do crime. Todo dia ele chegava em casa bem trajado com dinheiro e eu acabei me influenciando, por isso e fui com ele. Quando fui com ele, fui aprendendo já a roubar. Ali, a gente crescendo vai olhando e vai se espelhando, achando que aquilo ali é a coisa boa e acaba nos prejudicando futuramente”.

Dione com a pastora Acirene Costa. Fotos: Arquivo Pessoal

Para ele, muitos jovens que decidem enveredar pelo caminho errado o fazem olhando a vida do criminoso, que muitas vezes usa o fruto do crime para satisfazer desejos e realizar sonhos de consumo. Ele culpa a falta de políticas públicas dentro dos becos e passarelas de Macapá que possam salvar as vidas de crianças e adolescentes em situação de risco.

“Não tem uma coisa que a gente possa focar e dizer: hoje eu não vou seguir esse caminho. Porque não tem um trabalho social. Você pode olhar e ver que não tem. A juventude vai crescendo se espelhando no traficante, no ladrão que está bem vestido, bem trajado. Assim fui eu. Entrei nessa vida assim. Aos meus olhos isso era bom”.

Depois que foi preso pela primeira vez, Dione lembra que as idas e vindas do Centro de Internação Provisória (CIP) foram muitas até completar 18 anos. Após a última detenção, ele fugiu. Quando foi recapturado, já era maior de idade, preso em flagrante, portanto, foi para o Instituto de Administração Penitenciária (Iapen) do Amapá. Foi lá dentro, onde ele passou 14 anos, que as coisas mudaram para pior.

Com os irmãos da igreja

“Eu preso, em 2017, me colocaram como líder de facção. Eu fiquei comandando lá”, disse.

Dentro e fora da cadeia, você mandava em tudo?

–  Correto!

Ele contou que é possível fazer muitas coisas de dentro da penitenciária. Seu comando atravessava os paredões do Iapen ia de ponta a ponta no Amapá. Dione não achou seguro para ele e para a família revelar a que facção pertencia e nem os rivais que mandou executar. Diz que quanto a isso teria que manter sigilo, já que responde a processos derivados desses crimes.

Ele também fez outras revelações à reportagem, mas pediu para não serem inseridas nesta matéria. O objetivo é resguardar tanto ele quanto os familiares.

O sigilo também é uma das condições que o criminoso assume quando é liberado da facção.

A conversão

Dentro do Iapen há diversas igrejas e instituições que realizam trabalhos sociais voltados para a recuperação dos presos. A ideia é apresentar a religião Cristã como ponto de mudança da mente para que então aconteça a mudança em toda a vida do cidadão.

Além dos trabalhos missionários, há também uma igreja no local, onde eles se reúnem para orar, louvar e ouvir a palavra de Deus. Foi durante um desses cultos que Dione disse ter sentido algo diferente. O convite veio de um pastor que passou pela cela dele e o chamou para se juntar ao resto dos religiosos.

Acompanhado de irmãos da Igreja …

… Dione anda por áreas de ponte levando a palavra do Senhor

“A gente via que nas reuniões da quadra os irmãos faziam culto e alguns dos irmãos que eram do crime, que eram respeitados no crime, tinham mudado sua vida. Eles não serviam mais ao crime, mas sim a esse Deus. Então isso, aí, já motivava a gente. Eu não gostava de crente. Acha um povo muito barulhento”.

A decisão para mudar de vida veio após um pedido de socorro a Deus. Ele seria transferido para um presídio federal de segurança máxima e temia pela vida. Não queria ir e, horas antes da transferência, desesperado, orou para Deus e para o Diabo.

“Eu fiz um voto com esse Deus. Primeiro eu fiz um voto com Satanás. Eu disse, Satanás se o senhor não deixar eu ir pra esse presídio federal, eu vou te servir pelo resto da vida matando roubando e destruindo. Ele não conseguiu. Numa madrugada eu dobrei meu joelho e disse: Deus, as pessoas dizem que o Senhor tem poder, que o Senhor faz e acontece. Eu pedi pro bicho feio, ele não conseguiu resolver. Agora estou pedindo para o Senhor, se o Senhor me der mais uma oportunidade, eu vou mudar de vida”, lembrou.

Quando acabou de orar, foi algemado pelos policias e levado para a viatura e seguiram rumo ao aeroporto. Chegando lá, ele lembra que um dos agentes fez a busca do nome dele para confirmar a transferência. Foi aí que veio o milagre: o nome teria sumido do sistema de transferência.

“O diretor da cadeia olhou pra mim e disse: eu não sei o que está acontecendo. Era pra você estar em viagem. Eu olhei pra ele e disse: eu sei, diretor, o que é: realmente existe um Deus que é de poder. A partir de hoje, tu não vai ter mais dor de cabeça comigo. A partir de hoje eu vou servir esse Deus vivo”, relatou.

Irmãos andam por vários bairros de Macapá …

… doando quentinhas para pessoas…

… em situação de pobreza…

… e risco social

Fora da facção

Dione explicou, sem muitos detalhes, que a única condição exigida pela organização criminosa, que habilite alguém sair da facção, é que ele saia para “servir a Deus”.

“O crime tem o estatuto, a cartilha. Então, o que que acontece? É no automático, se você vem servir a Deus, não há ninguém que possa te impedir. Tu podes sair do crime para servir a Deus e ser trabalhador. Se você querer, você pode. Nada pode te impedir. Os caras falam: ‘ó, o irmão saiu para servir a Deus’. Ninguém te impede. Ninguém vai querer te matar, ninguém vai querer te cobrar por nada. Até meus inimigos vão na porta de casa pedir oração”.

Ele encontrou em Deus e na igreja a redenção para uma vida nova

Com o grupo Deus de Milagres, formado por 600 ex-detentos, Dione e os amigos desenvolvem um trabalho social, andando em pontes, vielas e becos, levando a palavra de Deus e alimentação para os necessitados.

“Bandido bom, não é bandido morto. Bandido bom, é bandido convertido. Essa é uma palavra da pastora Acirene Costa, e é a verdade. Todo mundo merece uma segunda chance”.

Atualmente ele trabalha em escritório de advocacia. Foto: André Silva

A pena de Dione só termina em 2040. Mas, a partir de 2020, ele passou a cumpri-la no regime semiaberto. E, há alguns meses, recebeu a liberdade condicional. Há dois anos trabalha como secretário no escritório do advogado Carlos Evangelista. Disse estar estudando e que quer continuar mudando de vida. Pretende se formar em Direito.

“O crime não compensa. Hoje as pessoas têm se iludido com o crime, achando que o crime é certo. Quantos amigos, jovens companheiros, irmãos meus, desceram à cova. Só eu já fiz diversos velórios de irmãos que morreram no crime, achando que o crime é certo. O crime não é certo. Eu falo nos becos, vielas e pontes que Jesus salva. As pessoas olham para o bandido e dizem que o único jeito pra ele é a morte, mas o Senhor veio atrás dos pecadores. Deus escolhe as coisas loucas para confundir bons”, aconselhou.

Dione é casado e pai de dois filhos.

 

Seles Nafes
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