Mãe fala sobre morte do assassino do filho: ‘nunca parou de fazer o mal’

Cláudia Conceição perdeu o filho há 10 anos durante um assalto. Semana passada, a conta chegou para o criminoso
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Por ANITA FLEXA

No dia 10 de dezembro de 2014, um crime brutal chocou o Amapá. Um garoto de apenas 15 anos foi assassinado com 4 tiros à queima roupa. A vítima era Jairo Pereira Rocha Júnior, membro do grupo de Desbravadores da Igreja Adventista, e que estava prestes a encerrar o dia de estágio na empresa em que trabalhava quando o crime aconteceu. 

Jairo foi abordado por três assaltantes que insistiram em invadir o local. Quando os funcionários perceberam que um assalto estava andamento, fecharam a porta e deixaram o menor do lado de fora da sala junto com os criminosos.

Um deles era Anderson Albuquerque, à época menor de idade, que mandou que o garoto abrisse a porta. Jairo não conseguiu, e acabou sendo baleado pelo assaltante.

O adolescente ainda foi socorrido com vida, mas faleceu quatro dias depois no Hospital de Emergências de Macapá. Antes de morrer, o adolescente chegou a reconhecer os assaltantes, todos menores de idade. Anderson Albuquerque chegou a ser detido por um tempo, mas foi libertado.

No último dia 13 de março, durante uma intervenção policial ocorrida na comunidade da Ressaca da Pedreira, Anderson Alburquerque acabou morrendo ao abrir fogo contra equipes do Grupo de Intervenção Rápida Ostensiva (Giro), do Bope, e da Coordenadoria de Inteligência e Operações (Ciop), em uma diligência.

10 anos de saudade

Após quase 10 anos da perda do filho, a mãe de Jairo, Cláudia Conceição aceitou conversar com o Portal SN. Em um depoimento repleto de emoção e saudade, ela contou como foram esses anos sem o filho e o que fez para tentar superar a perda tão sentida na família.

Jairo tinha 15 anos, era desbravador e estagiário em uma empresa. Fotos: Reprodução

Anderson ria nas audiências, afirma Cláudia

Ela começa falando como soube da morte do assassino de seu filho.

Eu recebi ontem (13) à tarde em um grupo de notícias sobre a morte de Anderson. Em um primeiro momento eu fiquei chocada e sem reação. Eu não posso dizer que fiquei satisfeita com a morte dele. Eu fiquei triste, muito triste. Mas o que me deixa sossegada é que esse rapaz nunca mais vai ceifar a vida de ninguém. Não tinha mais o que parar ele. E ele nunca parou de fazer o mal, infelizmente. E a vida dele terminou nesse jeito porque ele plantou maldade, plantou destruição e ele colheu o que plantou. E eu estou sossegada e com o coração tranquilo, porque agora acabou. Eu tinha receio de encontrar ele na rua, como muitas vezes aconteceu. Nas audiências com ele, ele ria da minha cara, e isso me doía, me machucava. Mas agora tudo acabou. Eu sei que é uma vida, pois pra Deus todas as vidas são válidas, mas isso me deixa tranquila.

E como foram esses 10 anos sem o Jairo?

A minha maior dor é não poder mais abraçar o meu filho, esse ano ele estaria completando 25 anos no mês de junho. Mas eu creio que um dia meu filho vai voltar pra mim. A gente não consegue, na verdade, deixar de pensar como seria se ele estivesse aqui, é uma luta. Eu luto todos os dias pra levantar da minha cama. Quem é mãe e já perdeu filho numa situação dessa sabe o quanto é difícil a gente esquecer. Mãe nunca esquece o filho. É uma luta dolorida, é falta. Tem dia que chora, tem dia que levanta pra ser forte pra atender os outros filhos, mas sabe que aquele ali tá fazendo falta. É muito difícil, complicado. Pode passar 10, 15, 20 anos, o tempo que for e nunca vou superar essa dor. E sem Deus eu acredito que eu não estaria em pé.

Anderson morto pela polícia: “nenhuma mãe cria o filho para tomar caminhos tortuosos”

E como a senhora imagina que Jairo estaria hoje?

O maior sonho do meu filho era ser um lutador de MMA, mas também queria se formar em direito para ajudar toda a nossa família. Ele pensava em dar uma vida melhor pra gente, uma qualidade de vida pra mim e o pai dele. Jairo era um menino bom, participava do grupo de Desbravadores da Igreja Adventista, e foi iniciativa dele começar a trabalhar cedo pra ajudar em casa. Ele sempre foi um menino risonho, e hoje imagino que ele estaria numa faculdade, ou terminado e começaria a família dele. Mas as boas memórias é que ficam.

E como foi todo o processo da morte do seu filho?

Foi difícil. Até hoje eu guardo tudo dele, provas, carteira de vacinação e guardo todos os exames que ele fez quando tava hospitalizado, exames que não foram levados em consideração pra salvar a vida do meu filho. O Anderson pode ter atirado nele, mas houve negligência médica. O Jairo não foi atendido da maneira correta no HE. O médico de plantão não quis olhar os exames, e quando eu perguntava e questionava tudo sobre a saúde do meu filho, ele dizia que não era pra eu me preocupar, que ele – o médico – era o profissional e sabia o que estava fazendo. Mas o meu filho estava consciente e com muita dor. Ele levou quatro tiros, um que atravessou as costas e atingiu o abdômen, outro que atingiu o fêmur, um no braço e o último atingiu a costela. Ainda era um milagre o meu filho estar vivo e consciente.

“Não foi devidamente atendido no HE”

Jairo era fã de MMA e queria estudar Direito

Mesmo assim o médico, não atendeu ele da forma devida, não olhava essa bala que atingiu o abdômen dele, o que causava muita dor. Eu vi que meu filho tava piorando e eu resolvi transferir ele para o Hospital São Camilo para que ele fosse melhor cuidado. E chegando lá, o médico que atendeu ele me deu razão e disse que essa área do abdômen era a mais crítica, era vida. O médico chamou o meu irmão e viu o percurso da bala e disse: “olha o percurso dessa bala, perfuração de baço, de intestino. Ele está com hemorragia interna. Como é que ele (o médico do HE) não viu isso?” Quando foram chamados em juízo, o médico do São Camilo falou: “se eu tivesse no plantão do HE e não no São Camilo, não iria saber de tomografia, ia chamar o pai e a mãe e dizer ‘mãe, pai, não perfurou nada, mas eu precisei abrir para ver se realmente estava tudo bem. Era isso que eu tinha feito’”. Aí a juíza perguntou para ele: “se fazem isso que o senhor falou, ele estaria vivo?”. O médico respondeu: “estaria vivo”.

O que mais dói é saber que essa história teria um outro desfecho. Pra mim, os médicos são assassinos, tanto quanto o rapaz que atirou nele.

Cláudia até hoje todos os exames do filho: os médicos também são assassinos

E depois, o que aconteceu?

O Jairo não resistiu e morreu de infecção por conta do tiro no abdômen. Depois disso, nós entramos com processo por negligência médica. E só em dezembro do ano passado, 9 anos depois, tiveram as duas audiências dos médicos responsáveis pelo meu filho. E eles foram absolvidos. Para você ver como é a justiça da nossa cidade. Durante todo esse tempo eu nunca desisti de conseguir justiça. Eu sempre ia na delegacia, sempre ia falar com delegado, promotores e juízes para saber como estava o processo, não só por negligência, mas para prender o Anderson. Todas as vezes essas autoridades da lei me faziam a mesma pergunta: “O que a senhora espera com isso?” e eu sempre respondia: “espero justiça”. Teve uma vez que um juiz me perguntou, e isso foi na audiência de custódia do Anderson: “o que a senhora espera com isso?” E eu falei: “que seja feita a justiça”. Aí eu fiz uma pergunta para ele: “e se fosse o seu filho?” Ele disse: “ele já estaria morto”. Eu disse, “pois é, porque não é o seu filho, é o meu filho. E eu quero que seja feita a justiça”. Aí eu perguntei: “se fosse eu a matar ele, o senhor vai mandar me prender” Ele disse: “isso, senhora não tenha dúvida”.

Depois disso, saiu a ordem de prisão do Anderson, e aí o juiz pediu que eu falasse com uma delegada para efetuar a prisão do Anderson, nisso ela me pergunta: “o que a senhora está esperando com isso? Ele já é de maior, a senhora acha justo a gente colocar ele no Cesein no meio de um monte de crianças?”. Eu disse: “crianças que roubam, que matam, são tão assassinos quanto eles, quanto ele. Se eu quero que ele pague, a senhora tem que fazer seu papel, vá lá e mande prender ele”. Mas eu tive que ir atrás e descobrir onde ele tava, assim ele foi preso e cumpriu três meses no Cesein. Muitas vezes eu encarei a justiça sozinha.

Cláudia: “minha fé me salvou”

Agora, depois de tudo isso, de todos esses anos, e com isso que aconteceu, o que a senhora falaria para os pais do Anderson?

Eu lamento a triste história que o filho deles deixou. Eu me coloco no lugar dela como mãe. Perder um filho, seja ele quem for, não é fácil. Eu espero muito que Deus console o coração dela, mas infelizmente ele colheu o que plantou. Eu sei que nem um pai nem uma mãe cria seu filho para tomar caminhos tortuosos. A gente cria os filhos da gente para ser pessoas de bem. E eu criei meu filho para ser pessoa de bem. E meu sonho era ver meu filho formado, com família, eu não pude, eu tive esse sonho também interrompido, né? Infelizmente. Eu só posso dizer pra eles que eu lamento a triste vida que o filho deles escolheu viver.

E qual é o conselho, mensagem que a senhora passa para as mães que passaram e que sofreram em uma situação parecida com a senhora?

Quando encontro outras mãezinhas que passaram pelo que eu passei, eu falo pra elas que elas se entregarem e confiarem em Deus, porque sem Deus a gente não consegue superar. A nossa mente fica escura, eu mesma na época, tive um momento de perder a fé, mas foi a fé que me salvou, a fé que me faz levantar todos os dias para ser forte pela minha família.

Seles Nafes
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