A história de W, da esperança à morte

O jovem de 23 anos foi morto no dia em que recebeu a oportunidade de voltar para a rua, durante uma fiscalização no centro onde estava internado. Foto ilustrativa: Folha
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Por SELES NAFES

As esperanças de ver o filho finalmente retomando a vida após 10 anos na dependência química tinham sido renovadas. A mãe e pai estavam otimistas com os sinais que o filho de 23 anos vinha dando ao falar de concluir os estudos, de trabalhar e ter uma vida finalmente produtiva.

Contudo, nos primeiros dias da quinta internação, o rapaz teria sido convencido a voltar para casa por uma equipe de fiscalização do Ministério Público, durante uma inspeção no centro terapêutico onde ele estava internado. No mesmo dia, o jovem foi encontrado morto com um tiro. Claro que não foi culpa do MP, mas cabe uma ponderação.

O centro onde estava W estava internado corre o risco de ser fechado, caso a justiça acate pedido de interdição feito pelo Ministério Público. Baseado em duas denúncias descritas na ação inicial, o MP diz que local é palco de ofensa à liberdade religiosa, tortura e uso indevido de medicamentos psiquiátricos.

A direção do CT nega todas as acusações, e lembra que o usuário em abstinência (dentro de um CT) só quer uma oportunidade para voltar às ruas e a situações perigosas para ele e outras pessoas. Desde 2019, a legislação permite que famílias façam a internação involuntária de parentes por até 90 dias, desde existe um laudo médico.

O MP tem a obrigação de cobrar dos centros terapêuticos o enquadramento em todas as legislações sanitárias e de saúde mental, assim como a integridade física e o respeito aos pacientes. Mas também é preciso avaliar individualmente a situação de cada família/paciente e os motivos que levaram à internação involuntária.

A solução simplista de ‘abrir a porta da rua’  para quem está em abstinência, sob o argumento raso de que se trata de um direito, com certeza não é a melhor alternativa. A situação é muito complexa.

É claro que os dependentes são os maiores responsáveis por suas escolhas na vida, mas também é necessário ouvir as famílias e entender que no uso de substâncias muitos oferecem riscos para eles próprios e até para pessoas mais próximas. Nos centros, os terapeutas afirmam que depois de ‘fechar a compulsão’, os dependentes mais graves têm mais chances de se reequilibrar e reavaliar a conduta.

“Sinto falta dele, todos os dias”

Os nomes dos personagens nesta reportagem não serão divulgados, mas claro, a história é infelizmente real. Para ajudar no entendimento, serão usadas apenas as letras iniciais de cada nome.

Filho de pais separados, “W” passou a usar drogas quando tinha apenas 13 anos. Seguindo um padrão típico, ele começou com cigarro, álcool, maconha e foi parar no crack, droga que vicia no primeiro uso, e que é apelidada nos centros terapêuticos pelos próprios internos de “rocha” ou “pedra”. Por isso, os usuários também chamam a si próprios de “pedreiros”. A mãe, “A” falou com o Portal SN

Quantas vezes seu filho foi internado?

Antes de ir para a Maranata a gente já tinha internado ele quatro vezes, mas ele não ficava

Por que ele não permanecia internado?

Vontade dele ir embora, acho que a abstinência. Mas a gente sempre tentava

Por que vocês decidiram internar ele novamente?

Porque ele estava morando na rua. A gente não aguentava ele em casa. Um dia eu encontrei com ele todo sujo, descalço e perguntei pra ele:

– É essa a vida que você quer? E ele respondeu:

– Mãe, é mais forte do que eu.

Chamei o pai dele, a gente conversou e ele (W) foi por livre e espontânea vontade (para a internação). Isso foi no começo do mês de março do ano passado. Antes do dia 15 ele foi para a Maranata, mas no dia 29 (de março) o Ministério Público foi lá.   

Como foi o dia em que o W saiu do centro?

No dia em que o Ministério Público foi lá eu estava trabalhando. Eles não comunicaram os pais, nem nada…Ele apareceu na casa da mamãe e disse só ia ficar três dias fora do CT e que ia voltar, mas aconteceu tudo (morte) no mesmo dia. O Ministério Público disse (aos internos) que existe uma lei que ampara eles, e que eles não são obrigados a ficar lá (internados). Nesse dia saiu o meu filho e mais outras pessoas. Ele avisou para a esposa do diretor que só ia ficar três dias fora, mas que ia voltar. Quando ele chegou aqui em casa eu estava fora, trabalhando. Minhas irmãs ainda tentaram convencer ele a voltar para o CT, mas ele voltou a dizer que ia ficar apenas três dias fora.

O que aconteceu naquele dia?

Ele foi alvejado. Tinha saído de casa para ir ao Pacoval. Ficou um mês e sete dias internado na UTI do HE e veio a óbito.

As pessoas que mataram ele foram identificadas?

Ainda não sabemos. Um investigador da Delegacia de Homicídios me ligou para que eu compareça para prestar algumas informações, isso depois de um ano.

Se o W continuasse internado a senhora acha que ele teria morrido?

Isso não teria acontecido. Na conversa que o W teve com o pai ele demonstrou que estava bem melhor. A vontade dele era de sair mesmo das drogas e ter uma vida. Ele dizia que só queria trabalhar. Ele tinha parado no 8º ano e queria concluir os estudos.

A senhora é a favor da internação contra a vontade do dependente?

Eu sou a favor, mas é melhor quando a pessoa vai com a sua própria vontade. Nessa última vez ele foi pela vontade dele. Nas outras vezes a gente insistiu muito pra ele ir.

A senhora tem outros filhos?

Mais 4

O que a senhora acha desse pedido para fechar o centro terapêutico?

Eles (poder público) não dão uma assistência para os dependentes. Isso (dependência) é uma doença. Não é justo obrigar as pessoas a continuarem na rua, com as famílias sofrendo.

O que a senhora se sente hoje?

Eu sinto falta do meu filho todos os dias, mesmo com os defeitos dele.

Seles Nafes
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