Procuradora federal descreve a máquina de comprar votos para Furlan

Procuradora Sarah Cavalcante: denúncia apresentada ao TRE aponta organização criminosa com hierarquia, divisão de tarefas, dinheiro em espécie e ordens diretas do então candidato
Compartilhamentos

Por SELES NAFES

Uma denúncia de 145 páginas apresentada no fim de outubro deste ano ao TRE do Amapá, é a mais nova dor de cabeça do prefeito de Macapá Antônio Furlan (MDB). Asssinada pela procuradora da República Sarah Cavalcante, o processo bomba explica com nuances a atuação de uma organização criminosa criada para fraudar a eleição municipal de 2020, graças a um gigantesco esquema para comprar votos e transportar eleitores em benefício direto do então candidato, hoje reeleito.

O documento descreve liderança centralizada, comando financeiro, operadores de rua e logística própria, sustentada por dinheiro em espécie, promessas a eleitores determinados e rotas de transporte no dia do pleito.

Segundo o MP Eleitoral, o grupo atuou de setembro a dezembro de 2020, às vésperas e no dia da votação, com um objetivo explícito: corromper o processo eleitoral para garantir votos ao candidato nº 23, antigo Cidadania. A acusação enquadra os denunciados por organização criminosa, corrupção eleitoral e transporte ilegal de eleitores.

A investigação da Polícia Federal chegou a gerar mandados de busca e apreensão contra Furlan, familiares e amigos em julho de 2022 na primeira de três operações da PF na gestão dele. O gabinete na prefeitura foi um dos alvos.

Mandados foram cumpridos em julho de 2022…

… na casa e no gabinete do prefeito. Fotos: Ascom/PF

O topo do esquema: comando, dinheiro e consentimento

O grupo tinha 12 pessoas. No núcleo diretivo, o Ministério Público afirma que Antônio Furlan exercia o poder de mando e o controle final dos fatos, sendo o mentor intelectual e principal beneficiário do esquema. A denúncia sustenta que nada relevante ocorria sem seu consentimento, inclusive a promessa e a entrega de dinheiro a eleitores.

Ao seu lado, aparece o irmão e promotor de justiça João Paulo de Oliveira Furlan, apontado como co-líder, responsável por financiar operações, gerir recursos, coordenar ações e intermediar ordens. O MP descreve uma engrenagem familiar e de confiança, com decisões rápidas, repasses imediatos e acompanhamento permanente das cobranças feitas por eleitores já “fechados” no acordo.

Quem escolhia os eleitores e liberava o caixa

A denúncia posiciona Carolina Dias Braga Furlan e Pedro Paulo da Silva Costa no núcleo estratégico e financeiro. A eles caberia indicar eleitores a serem cooptados, autorizar deslocamentos, liberar dinheiro — inclusive para combustível — e monitorar a execução das promessas. Conversas anexadas mostram cobranças por valores, pedidos urgentes e confirmações de visita a residências específicas, sempre vinculadas à campanha do candidato.

No núcleo operacional, o MP destaca Gleison Fonseca da Silva, o “Coló”, descrito como o executor das ordens ilegais. Era ele quem negociava valores, prometia e entregava dinheiro, organizava transporte de eleitores e administrava grupos de WhatsApp usados para controlar motoristas e rotas.

Foi a partir de uma abordagem da Polícia Federal — quando Gleison foi encontrado com dinheiro em espécie e material de campanha — que a investigação ganhou corpo. A perícia no celular revelou diálogos explícitos de compra de votos, com frases diretas como “quantos votos eu tenho aí?”, “joga uma proposta” e a confirmação do número do candidato: “23, mano, 23”.

Votos à venda: negociação aberta e pagamento combinado

A denúncia descreve negociações detalhadas para a compra de votos de eleitores determinados, inclusive familiares e vizinhos, com valores combinados, cobrança por urgência e confirmação de que o voto já havia sido depositado. Em um dos episódios, o MP relata a compra de seis votos mediante promessa e entrega de dinheiro, com acompanhamento em tempo real da votação.

Em outro trecho, o documento aponta a cooptação de um grupo de jogadores de futebol, com promessa de R$ 150 e pedido para que o candidato gravasse áudio de agradecimento a um grupo criado especificamente para reforçar o aliciamento na reta final.

Uma egrenagem completa

Além do dinheiro, o esquema teria contado com transporte ilegal de eleitores no dia da eleição. Acson Rodrigo dos Santos Nunes é citado como responsável pela logística, administrando grupos de motoristas, definindo rotas e transportando eleitores para as seções eleitorais, em violação direta à lei.

Para o Ministério Público, os fatos revelam uma organização criminosa “estruturalmente ordenada”, com divisão clara de tarefas, onde cada peça tinha função definida: quem mandava, quem financiava, quem escolhia os eleitores, quem pagava, quem transportava e quem cobrava.

A acusação sustenta que o esquema comprometeu a normalidade e a legitimidade das eleições, transformando a disputa eleitoral em um mercado clandestino de votos, sustentado por dinheiro, logística e comando central.

Na prática, juridicamente, uma possível condenação por crimes eleitorais não deve afetar o atual mandato do prefeito, conquistado em 2024, mas pode criar restrições em futuras campanhas eleitorais, além de aplicação de multas. Na ação, a procuradora aponta uma série de testemunhas, entre elas policiais federais, eleitores e até um motorista que atuou no esquema.

A assessoria do prefeito ainda não emitiu nenhuma nota pública sobre o assunto.   

Seles Nafes
Compartilhamentos
Insira suas palavras de pesquisa e pressione Enter.
error: Conteúdo Protegido!!