Na pobre cidade de Amapá, abundância não é riqueza

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Pelas ruas de Amapá (município a 380 quilômetros de Macapá no sentido norte da BR-156) uma menina leva um peixe na garupa da bicicleta como se fosse uma mochila. Em outra rua, um garoto segura uma gurijuba com cerca de 2 quilos e oferece a outros moradores por R$ 12 a pedido do pai. Essas cenas fazem parte da paisagem cotidiana de Amapá. Poucos municípios no Estado possuem uma fartura tão grande de peixes como a cidade famosa pela pecuária, mas que ainda amarga a pobreza. Sem estrutura de porto e um polo de beneficiamento, a abundância não vira riqueza.

Gurijuba, o ouro de Amapá

Gurijuba, o ouro de Amapá

Banhado em boa parte pelo Oceano Atlântico, o município agradece aos céus pela presença de barcos de outros estados trazendo compradores. Eles estão interessados, principalmente, na gurijuba e no bagre, que depois de processados viram filé em restaurantes de alto padrão nos grandes centros do país. Além das panelas, outro destino da gurijuba, ou melhor, do “grude” dela (uma espécie de gordura que é ressacada ao sol), é a indústria de cosméticos. O grude é usado fixador. O quilo é vendido pelos moradores por até R$ 45.

Comerciantes que compram e revendem

Comerciantes compram dos pescadores e revendem

Se não fosse a presença dos compradores de outros estados, os pescadores e comerciantes de peixes de Amapá já teriam ido à falência. “É muito peixe, a gente não dá conta”, justifica o comerciante potiguar Eliolino Melo, conhecido na região como “Amizade”, e que chegou a Amapá ainda criança.

Nas ruas que dão acesso à orla do município de Amapá, é comum ver grandes fileiras de filé de peixe secando ao sol, já salgados, num processo que chega a durar dois dias. O peixe seco, desidratado pelo calor e o sal, vira farinha e depois bolinho frito, mas os pedaços inteiros também são fritos e muito apreciados com açaí.

Peixe secando ao sol: cena comum nas ruas próximas da orla

Peixe secando ao sol: cena comum nas ruas próximas da orla

É o comércio de peixe seco que sustenta Eliolino e a família. Ele passa o dia inteiro com uma latinha de cerveja na mão, contando histórias antigas e piadas, ao mesmo tempo em que observa e coordena o trabalho dos filhos que salgam o peixe. “Pra ter uma gurijuba gostosa não tem segredo, é limão, cheiro verde e legumes, o resto é a alegria”, ensina ele sobre a famosa caldeirada de gurijuba.

Garoto e a missão dada peixe pai de vender o peixe por R$ 12

Garoto e a missão dada peixe pai de vender o peixe por R$ 12

Segundo a Federação de Pesca do Estado, não há dados exatos sobre a quantidade de pescadores e barcos em atuação em Amapá. Oficialmente existem 153 barcos na região, mas podem ser muito mais. Mesmo sem um porto estruturado, por dia chegam até 30 barcos abarrotados de peixes na orla da cidade, isso quando eles não vendem a maior parte da produção ainda em alto mar para barcos paraenses.

Eliolino: dia contando histórias e salgando peixe

Eliolino: dia contando histórias e salgando peixe

Depois da pecuária, é o peixe que mais rende empregos em Amapá. Apesar desse potencial, a cidade ainda não possui fábricas de processamento, o que poderia agregar valor ao produto e gerar ainda mais empregos numa cidade assolada pela pobreza e a falta de investimentos em educação e urbanização.  

Em Amapá, a maior parte dos empregos (todos com baixos salários) fica nas fazendas e no comércio de peixe.  “A única coisa que a gente tem aqui é gelo. Em alto mar a gente acaba vendendo mais barato do que deveria”, queixa-se o pescador José Raimundo dos Passos. 

Mesmo sem estrutura portuário, cidade recebe até 30 barcos por dia

Mesmo sem estrutura portuário, cidade recebe até 30 barcos por dia

Seles Nafes
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