Por ANDRÉ SILVA
O Amapá é recheado de pessoas que fabricam objetos com suas próprias mãos para vender e sobreviver da sua arte. São artesãos.
Entre esses profissionais há aqueles que fabricam móveis, bonecos, carrinhos, joias. Mas, no Bairro Infraero 2, na zona norte de Macapá, encontramos um artesão diferente. Ele fabrica coldres de couro rígido e é o único no Amapá a trabalhar com esse tipo de produto.
Além de artesão, Cleber Costa Miranda, de 44 anos, também é mestre de capoeira e entre os adeptos do esporte é conhecido como Mestre Coringa. Ele trabalha como despachante de armas e tem como clientes profissionais liberais e agentes de segurança pública, como policiais, juízes e promotores.
Em uma entrevista ao Portal SelesNafes.Com, o artesão contou como a profissão entrou em sua vida e como está expandindo o comércio dos produtos da marca que criou, a ‘7 Coldres’, pelas redes sociais.
Cleber Miranda também relatou como desempenha a difícil função de despachante de arma em um país onde o assunto é bastante polarizado, com pessoas contra e a favor do desarmamento, e como os negócios alavancaram no último ano, depois da assinatura do decreto do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que eliminou um dos critérios da lista de exigências para quem quer adquirir uma arma de fogo no Brasil.
Quando teve a ideia de começar a produzir coldre de couro?
A partir do momento em que percebi que não tínhamos esse tipo de produto sendo comercializado aqui no estado. Comecei a estudar as formas de confecção dele. Como sou muito próximo do mundo de atiradores esportivos, percebi a necessidade deles. Existem muitos materiais que são utilizados para a fabricação do coldre, mas eu tinha um apresso pelo couro porque gostei do produto quando vi nas redes sociais. Achei muito bonito. E passei a estudar as formas de confecção dele. Após vários testes e experimentos, tanto de tinta quanto forma de manuseio, cheguei ao produto final. Foram meses de testes até chegar o produto final.
Como acontece o processo de confecção do coldre de couro?
A princípio, ele era 100% artesanal. Pegava aquela sola dura, ainda crua, e tinha todo um processo de beneficiamento. Pegava aquela peça e lixava bastante, tanto de um lado como do outro, pra chegar ao ponto de o couro ficar bem liso e macio. Pra que ficasse um produto assim, que oferecesse um certo conforto pra quem utiliza arma, porque tem que ser macio. Eu não posso fazer um coldre rústico com uma peça bruta. Então, existia todo esse beneficiamento manual no processo de confecção. Eu furava manualmente, às vezes com uma furadeira ou um prego, pra fazer a costura pra depois fechar. Aí, repetia o processo pra costurar o couro fechado e fazia o processo pra amolecer ele, pra que eu pudesse colocar a arma, e, a partir desse momento, que ele tivesse mole, eu pudesse fazer a modelagem. Pra que o couro ficasse com as curvas da arma e posteriormente a isso fazia o processo de secagem. Então, antes era tudo manual. Hoje eu tenho uma máquina de costura que me possibilita fazer grande parte desse processo de forma mais acelerada. Então, o processo não é todo manual e nem é todo mecânico também (risos).
Quais seus principais clientes?
Meus clientes são todas as pessoas que utilizam arma de fogo. Empresários… todas as pessoas que têm arma de posse adquiridas através da Polícia Federal, que são atiradores desportivos que são os CAC (Colecionador Atirador e Caçador) e os profissionais da segurança pública, que são das Polícias Militar, Civil, Penal. Então, todas essas pessoas envolvidas na segurança pública e que têm porte me procuram.
Como as pessoas descobrem que você trabalha com a confecção de coldre rígido?
Eu já confecciono esse produto há dois anos e as pessoas me conhecem por meio das redes sociais. Eu tenho um canal no YouTube, temos Facebook e Instagram, mas grande parte é por meio de indicação. São pessoas que adquiriram nosso produto, que ficam satisfeitos e indicam para os seus colegas.
Além de artesão de coldre de couro, você também exerce a profissão de despachante de arma, como acontece esse trabalho?
O despachante de armas é a pessoa que facilita a vida de quem quer adquirir uma arma de fogo. No nosso país, qualquer cidadão de bem tem o direito de adquirir uma arma de fogo para a sua defesa. Essa arma não é pra você sair andando armado, e isso precisa ficar bem esclarecido. É uma arma de posse, não de porte. É pra você ter dentro de casa ou na sua empresa, caso a pessoa tenha uma. Então, vai do empresário ao vendedor de bombons na rua: ele pode adquirir uma arma de fogo. O ponto principal é que seja uma pessoa idônea, que não tenha problema em nenhuma das esferas tanto federal, municipal ou estadual. Resumindo: que não tenha nenhum problema na Justiça. Que tenha emprego ou uma forma lícita de renda, endereço fixo… Então, é montada toda uma documentação, e o despachante é a pessoa que organiza e elabora toda essa documentação do cliente. Isso inclui certidão negativa, federal e estadual, enfim, uma série de documentos. Além disso, a pessoa também precisa fazer o exame psicotécnico, que é necessário e o despachante encaminha a pessoa para esse profissional qualificado e autorizado pela Polícia Federal, e encaminha ele para o exame de tiro. Posteriormente a isso, o despachante junta toda a documentação e dá entrada na PF. O delegado federal vai avaliar o processo e vai emitir a autorização de compra. Tudo isso é pra adquirir a autorização de compra. Ela que vai te dar a possibilidade de adquirir essa arma em qualquer loja do país.
Já fez muitos processos como esse no Amapá?
Sim. Bastante. Em janeiro de 2019, o presidente Jair Bolsonaro assinou um projeto que flexibilizava a aquisição de arma de fogo para todo e qualquer cidadão. Essa flexibilização retirou um dos pontos que era muito delicado em um processo desse. Esse ponto era chamado de discricionalidade, onde o delegado federal tinha o poder de avaliar o teu pedido de compra de arma de fogo. Se fazia uma declaração de efetiva necessidade onde o pretendente colocaria, ali, no pedido, todos os motivos que estavam o levando a adquirir a arma. Então, além da documentação, que comprovava a sua idoneidade, através das certidões, comprovação de atividade lícita e tudo o mais, além disso, o delegado olhava essa declaração de efetiva necessidade e se ele achasse que os motivos não fossem suficiente, ele tinha o poder de indeferir o teu processo. Mas, com a flexibilização, que aconteceu a partir da assinatura do decreto, essa descricionalidade foi retirada. Isso oportunizou aos pretendentes de adquirir uma arma de fogo, onde eles não dependem mas dessa descricionalidade. Basta preencher os quesitos da lei. Basta apenas comprovar que é uma pessoa idônea, trabalhadora e honesta. Com isso, o número de pessoas que passaram a solicitar uma arma de fogo foi uma explosão. Digamos que pulou de 100% pra 400%. Se antes eu fazia dez processos, passei a fazer quarenta processos desses, em um mês. Basicamente, foi esse salto que teve em relação as processo de aquisição de uma arma de fogo, somente em nosso estado. Porque eu trabalho somente no estado. Mas existem grupos de despachantes que a gente participa nas redes sociais, que eles dizem o mesmo. Esse salto foi geral.
Vocês já atuam no e-comerce (mercado digital) pra vender os coldres?
Sim. Inclusive pelo nosso canal no YouTube as pessoas solicitam o produto. As pessoas nos encontram pelo Facebook e fazem perguntas. E vendemos também no Mercado Livre.
Você recebe críticas por trabalhar nesse ramo de despachante, haja vista que esse é um assunto muito polarizado entre aqueles que são contra e a favor do desarmamento?
Não, não. Até o momento eu nunca recebi nenhuma crítica direta. Nem construtiva, nem de outra forma (risos). O fato de termos um presidente armamentista, e essa sempre foi uma pauta muito fuçada durante a eleição e desde a vitória dele, sacudiu o país com esse tema e houve um manifesto de tudo quanto foi forma. Mas o argumento hoje que eu tenho é que a arma sozinha não mata ninguém. A maldade está dentro do ser humano e a pessoa que quer fazer o mal a alguém de forma física, ela faz com qualquer coisa que estiver na mão dele, não só com arma de fogo. A gente tem visto e sabe que o cara pode atropelar com um carro. O carro pode se tornar uma arma. Se não for carro, o cara pode usar uma faca, uma faquinha de pão, um espeto de churrasco, enfim. O mal está nas pessoas e não nas armas. Agora, é claro que ela tem um poder de letalidade, se comparado a um espeto de churrasco, maior. Eu sou cristão. Certa vez um cara disse pra mim: ‘cara tu é cristão e é a favor de uso de arma?’ Só que eu tenho o direito de defender os meus, a minha família. Eu vou defender com o que estiver em minhas mãos. Eu não vou usar a arma pra promover o mal, contenda, desordem. Jamais. A minha consciência como operador de arma de fogo é que eu vou usar essa arma pra proteger a minha vida e da minha família, simplesmente.
Para saber mais sobre os produtos ou falar com o artesão, basta entrar em contato pelo número 99141-3586.