Castanhas do Iratapuru: a odisseia da coleta

Nesta reportagem, a segunda aventura e os desafios dos castanheiros da reserva do Iratapuru, no sul do Estado do Amapá, para a colheita da castanha, que tem tempo certo no ano.
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Por MARCO ANTÔNIO P. COSTA

Nesta segunda reportagem da série “Castanhas do Iratapuru”, iremos abordar o processo de coleta organizado pelos extrativistas, que pode levar até quatro meses de muito trabalho e uma verdadeira imersão no meio da floresta amazônica.

A coleta começa no mês de março e vai até aproximadamente o mês de junho. Em março é o quando terminam de cair os ouriços e, só a partir daí, é que os extrativistas vão para a mata.

Para quem nunca viu, a árvore da castanha é bastante alta e os ouriços – que carregam as castanhas dentro de si –, são pesados. Portanto, é perigoso que o castanheiro esteja na mata enquanto os ouriços ainda estejam caindo, pois a queda na cabeça de uma pessoa poderia ser fatal.

Além disso, este período é o do inverno amazônico, fundamental para a elevação do nível dos rios e igarapés da região permitirem o acesso até as castanheiras.

É perigoso que o castanheiro esteja na mata quando os ouriços…

… ainda estejam caindo, pois a queda na cabeça de uma pessoa poderia ser fatal. Fotos e vídeo: Eudimar Viana

A coleta da castanha é diferente da maioria dos outros frutos. A árvore que ocorre desde a Faixa do Orinoco na Venezuela e em toda a Amazônia, até a Bolívia, demora cerca de 16 anos para começar a dar os primeiros frutos.

Uma castanheira pode chegar a 50 metros de altura e tem como principais “plantadores” os roedores que conseguem romper o ouriço, como a cutia. Eles comem algumas castanhas e enterram outras.

O esquecimento das castanhas enterradas é, segundo os especialistas, um dos principais motivos da propagação da espécie, que hoje é considerada ameaçada pelo Ministério do Meio Ambiente.

O desmatamento por causa da agricultura e pecuária é a principal causa do risco e, por isso, também, que atividade dos extrativistas ganha maior importância: além de sustentar uma população tradicional, preserva a floresta.

É necessária muita habilidade para…

… quebrar o ouriço sem ferir-se

“A Comaru é uma das cooperativas mais fortes que tem no Brasil, sempre no tripé da sustentabilidade: ambientalmente correto, socialmente justo e economicamente viável. A gente acredita muito nisso e trabalhamos muito para que as coisas aconteçam dessa forma”, declarou Eudimar Viana, castanheiro da Reserva do Iratapuru, no sul do Estado do Amapá.

Acampamento

A mãe de Eudimar, é como se diz no popular: “pau pra toda obra”. Elizabeth Correa dos Santos, participa das missões junto com os filhos, irmão e outros parentes. Ela chega a passar dois meses nos modestos acampamentos improvisados. Nesta etapa, são contratados trabalhadores temporários para o processo, que é demorado, manual e extenso.

Os extrativistas pescam e caçam para se alimentar, e levam das vilas para os acampamentos arroz, feijão, bolacha, temperos, leite e outros itens básicos.

Uma curiosidade: as crianças são liberadas das aulas para acompanharem as atividades dos pais na floresta. Tal permissão foi dada pela Prefeitura Municipal de Laranjal do Jari a partir da Lei dos Povos Indígenas e Populações Tradicionais.

São estreitos os caminhos a percorrer até os castanhais

“As aulas são interrompidas, porque é uma forma de elas adquirirem o conhecimento tradicional, principalmente essa parte de descer os rios, se não for assim, não aprende. Não é como abrir os ouriços, que qualquer um aprende. Agora pilotar o motor e descer as cachoeiras, não, tem que ser alguém que conhece desde criança”, contou o extrativista.

Coleta embaixo das árvores

Uma avaliação visual das castanheiras conhecidas como as mais produtivas serve como indicativo de potencial produtividade no ano. Poucas mulheres desempenham esta atividade, assim como crianças, mesmo em período de férias.

A coleta é realizada com paneiro, cesto confeccionado com cipó na maioria das vezes pelas mulheres da própria comunidade e que tem capacidade de carregar até 80Kg, e também com um cambito, uma vara de madeira de aproximadamente 1,5m, que auxilia na hora de pegar os ouriços no chão.

Coleta é realizada com paneiro de capacidade de 80Kg e com um cambito, uma vara de madeira que auxilia para pegar os ouriços no chão

Esta prática permite a coleta, sem precisar que o castanheiro se abaixe para pegar os ouriços e evita o arriscado contato com animais peçonhentos em áreas onde o ouriço se encontra com presença de mato.

Quebra dos ouriços

Durante a quebra dos ouriços, ocorre a primeira seleção das castanhas. É uma fase muito importante para o controle de qualidade, porque são retiradas as castanhas que foram cortadas na hora de abrir os ouriços. Isto se faz necessário para facilitar o transporte, que é feito pelos castanheiros ou burros, nos locais mais próximas da comunidade.

No caso de presença de castanhas feridas existe um sério risco de apodrecimento das demais castanhas em contato com esta.

Parte desta seleção é feita no local de corte dos ouriços. O restante é feito na etapa de lavagem, normalmente feita pelas mesmas pessoas que quebram os ouriços e selecionam os frutos.

A lavagem retira mais impurezas e garante que as melhores castanhas serão as transportadas. Depois disso, é rio abaixo como acompanhamos na primeira matéria, nos barcos com motores de popa que suportam até 5 toneladas.

Próxima reportagem: a chegada das castanhas e o beneficiamento

Na próxima reportagem acompanharemos a chegada das castanhas na cooperativa, o beneficiamento, conheceremos mais um pouco sobre o contrato que os cooperados tem com a empresa Natura desde 2004 e iremos falar sobre os desafios para o futuro da comunidade e da extração das castanhas do Iratapuru no Amapá.

Seles Nafes
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