Processos antigos revelam ‘tretas’ entre personagens históricos do Amapá

Centro de Memória do TJAP reconta histórias do século XIX no Amapá. Documentos resgatam quase dois séculos história.
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Por IAGO FONSECA

Imagine que, num final de tarde, você transita pela Rua Jovino Dinoá e pretende ir à Praça Zagury – que popularmente é, também, conhecida como Praça do Coco. Então dobra na avenida Mendonça Júnior, a popular ‘rua do canal’, e segue por ela até chegar ao Complexo Turístico Beira Rio.

Neste pequeno trajeto, você nem imagina, mas percorreu a memória de ‘tretas’ entre personagens públicos históricos do estado, que agora começaram a ser reveladas com a abertura de 1 mil caixas de documentos e processos do Tribunal de Justiça do Amapá (Tjap).

Tudo está sendo catalogado e preparado para exibição e visitação no Centro de Memória, que fica na sede central do Poder Judiciário, na Rua General Rondon, no Centro da capital.

O lugar abriga segredos de celebridades, pioneiros e fatos já esquecidos. Quem poderia imaginar, por exemplo, que o professor Jovino Albuquerque Dinoá um dia processou o pioneiro e empresário marroquino Judah ‘Leão’ Zagury – pai do também empresário Isaac Zagury, que dá nome à praça? Dois personagens históricos que já emprestaram seus nomes e memória a logradouros públicos de Macapá.

Processos contam parte da história do Amapá pela forma que a sociedade tratava assuntos corriqueiros. Fotos: Iago Fonseca/SN

Processo movido pelo professor Jovino Dinoá contra comerciante Leão Zagury, em 1911

Cruzar a porta do Centro de Memória do Tjap é como transporta-se para a rica história do estado, graças a equipamentos, processos e documentos que datam do século XIX. Entre relatos de figuras públicas e documentos administrativos e cartoriais, a história do Amapá é meticulosamente recontada por quase dois séculos.

As páginas amareladas pelo tempo contam, por meio de interpretação, como a sociedade amapaense lidava com situações espirituais, morte e propriedades privadas. Exemplo disso é o caso da senhora América de Castro Mendonça, viúva de Joaquim Mendonça Júnior – personagem que dá nome à avenida que hoje liga a orla de Macapá até a sede da Eletronorte, no bairro Santa Rita.

Processo da viúva de Mendonça Júnior

Mendonça Júnior foi o dono do primeiro jornal impresso do território amapaense, o Pisônia de 1885. Nos autos, datados de 1907, a esposa dele, América, pleiteia autorização judicial para a venda do prelo (equipamento de impressão) do jornal, que se deteriorava em desuso, à época. Cada palavra do processo carrega anseios, esperanças e dificuldades de uma época que pode apenas ser contada.

Também estão expostos alguns processos de inventário, autorização de casamentos, cobrança de dívidas e atas eleitorais dos anos 1900. São praticamente ‘crônicas’ sobre trajes, valores e lutas de um povo que moldou a identidade do estado.

Processo de investigação criminal de ponte que caiu nos anos 60, envolvendo quarenta crianças. Seis delas faleceram. Um dos poucos processos com fotos anexadas

Mapa de Macapá de 1991

A joia mais antiga

Entre os documentos em exposição está a joia mais antiga do acervo: o Livro de Notas número 1 do Juiz de Paz da Vila de Mazagão, datado em 1841. Suas páginas guardam 70 registros feitos até 1846. Escrituras de venda e alforria de escravizados são as principais anotações do documento histórico. As folhas de papel também reúnem registros de endereços que não existem mais no município.

Livro numéro 1 de Notas de Mazagão. 1841

Museólogo Michel Ferraz faz o resgate histórico desses documentos

“São informações sociais e históricas. No caso (dos registros) de Mazagão, há muitas vendas de casas. Um pesquisador mais atento consegue montar uma cartografia de como era vila de Mazagão Velho em 1841”, revela o museólogo do Tjap, Michel Ferraz.

No espaço também estão expostos alguns equipamentos preservados, como uma das sete cadeiras que eram possivelmente usadas pelos jurados do júri popular ou pelas autoridades do judiciário do Fórum dos Leões, onde hoje funciona a sede da Ordem dos Advogados no Amapá, ao lado da Praça do Coco.

Livro do Fundo de Emancipação dos Escravos de Mazagão está em processo de descrição no Fórum de Macapá

Acervo

O tribunal possui mais de 1 mil caixas de guarda permanente, com arquivos que remontam fases do judiciário no Amapá desde a vila de Macapá, quando havia somente uma representação do Tribunal da Relação do Maranhão, até a instituição do Tjap no Estado, em 1991.

“Estamos vendo o material sistematicamente. Dessas mil caixas, só abrimos pouco mais que 5%. Leva um certo tempo para catalogar tudo, a grafia dos documentos é um pouco mais complicada de ler e alguns processos estão muito deteriorados”, revela o museólogo.

Centro de Memória do Tjap

A curadoria espera encontrar documentos que datam até 1833, quando foi instituído o Termo Judiciário de São José de Macapá, atrelado à comarca de Belém, no Pará.

Até o momento, estão catalogados e descritos mais de 200 processos judiciais dos séculos XIX e XX, 70 termos do Livro de Notas do Juiz de Paz da Mazagão, 30 termos do Livro de Notas do Juiz de Paz da Mazagão de 1877 e Diários Oficias da Justiça.

Livros cartoriais, de sentença e o Livro do Fundo de Emancipação dos Escravos de Mazagão de 1877 estão em fase de descrição no Fórum de Macapá, na Avenida FAB.

Poucos equipamentos foram preservados pelo tribunal, devido a redistribuições feitas…

… no passado, como a doação do Fórum dos Leões para a OAB

O Livro de Notas e processos de interesse histórico com mais de 100 anos serão digitalizados e disponibilizados para consulta no Portal da Memória do Tjap.

O acervo digital será publicado aos poucos, conforme o avanço de tratativas com o Centro de Memória, Documentação, História e Arquivo (CEMEDHARQ) da Unifap para a digitalização detalhada do material.

Atas eleitorais dos anos 90

Livros literários que datam os anos 1800 em diversos idiomas pertenceram a desembargador do Pará

Serviço

Os equipamentos, processos e documentos que datam o século XIX estão expostos no Centro de Memória do Tribunal de Justiça do Amapá, na Rua General Rondon, no bairro central de Macapá. A visitação é feita por agendamento na biblioteca do órgão, de segunda a sexta-feira, das 7h30 às 13h30.

O espaço, que está aberto para visitação desde 2021, conta parte da história do Amapá por meio de processos de figuras públicas, documentos administrativos e cartoriais até 1991.

Seles Nafes
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