Desembargador nega pedido de advogado pai de autista, mas é vencido pela maioria

Advogado pediu adiamento do julgamento porque tinha que levar o filho a uma terapia; o relator Carlos Tork (foto) disse que um direito individual não poderia prevalecer sobre a coletividade
Compartilhamentos

Por SELES NAFES

O desembargador Carlos Tork, do Tribunal de Justiça do Amapá (Tjap), protagonizou um triste episódio de insensibilidade, ontem (28), ao negar o adiamento de uma sessão a pedido de um advogado, que é pai de um menino autista. O defensor alegou que terça-feira é dia de uma terapia importante para o filho. Tork foi vencido pela maioria, após um debate iniciado pelo desembargador Rommel Araújo.

Os desembargadores estavam numa sessão da Câmara Única que julgava uma ação por posse de terras movida pela empresa Cachoeira Caldeirão contra o advogado Adaian Lima de Souza, de 47 anos. O advogado, que faria a própria defesa, estava inscrito para fazer a sustentação oral. Durante a fala, ele revelou que o filho caçula foi diagnosticado com autismo há dois anos, e, há algumas semanas, ele próprio também foi identificado com o TEA.

“Percebendo algumas características peculiares dele, resolvi investigar a mim. Para a minha surpresa, no dia 1º de novembro deste ano, também fui diagnosticado com autismo e TDAH nível 2. Minha mãe foi quem mais lutou quando eu tinha as minhas dificuldades escolares”, comentou ele.

Adaian e a família moram em Porto Grande e o tratamento é realizado em Macapá. A mãe é servidora pública, e, mesmo com a redução de horários, não consegue estar em todas as terapias. É o pai quem tem que trazer o menino. Ontem, ele tinha terapia, e o pai tentava adiar a sessão no Tjap.

“Repasso isso para fazer um pleito a vossas excelências. Houve pedido meu dentro do processo para que essa arguição não seja hoje. Com respeito à decisão (que negou adiamento), me senti discriminado em nome de toda comunidade autista. As terapias são urgentes e necessárias. Meu filho não falava ‘papai’ até os 3 anos. Hoje, depois das terapias, ele fala pelos cotovelos”, brincou.

Advogado Adaian: “as terapias são urgentes”

Direito individual

O desembargador Carlos Tork, que é o relator do processo, entendeu que não era cabível o adiamento porque o Regimento Interno do Tribunal estipula o dia da semana para julgamentos na Câmara Única.

“O nosso regimento interno dispõe que é a terça-feira de manhã (julgamentos). Verifiquei que mediante os interessantes coletivos e públicos não poderia sobrevir o direito individual, ainda que com característica especial”, justificou o relator.

O desembargador Rommel Araújo, no entanto, levantou uma questão de ordem citando os direitos constitucionais de proteção à criança e o adolescente. Para ele, a questão envolve a proteção do Estatuto da Criança e do Adolescente e também a Lei 12.664/2012, que instituiu a política nacional de proteção da pessoa com transtorno do espectro autista (TEA).

“Para motivos menos importantes fizemos aqui na Câmara (Única) sessões extraordinárias. Vejo que o motivo aqui trazido é muito mais relevante, e que esse processo seja pautado em uma sessão extraordinária, mesmo que seja para julgar um único processo, mas observando os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e proteção das pessoas com deficiência”, ressaltou Rommel Araújo.

Com exceção de Carlos Tork, que já presidiu o Tribunal, todos os desembargadores concordaram que, no caso deste processo, a sessão não seja realizada às terças-feiras para não atrapalhar a terapia do menino. O desembargador João Lages foi além, e sugeriu que o Pleno do Tribunal discuta uma mudança no regime interno para abrir exceções em casos semelhantes.

O julgamento de ontem acabou sendo adiado com os pedidos de vistas de Rommel Araújo e João Lages.

Seles Nafes
Compartilhamentos
Insira suas palavras de pesquisa e pressione Enter.
error: Conteúdo Protegido!!