JÚLIO MIRAGAIA
Qual Lula foi condenado em primeira instância pelo juiz Sérgio Moro na semana passada, como resultado das investigações da operação Lava Jato? Essa é uma pergunta importante para saber do que se trata realmente um dos principais fatos ocorrido no cenário político nos últimos dias, junto com a rejeição do Conselho de Ética da Câmara sobre o pedido de investigação do presidente Michel Temer (PMDB) e a aprovação da reforma trabalhista.
Uso o pronome “qual” porque em tempos de instrumentalização da verdade via redes sociais, há um tipo de Lula para cada crente. Segundo os defensores do ex-presidente petista, tudo não passa de uma grande perseguição das elites contra o líder operário, uma conspiração que envolve os principais setores da burguesia nacional com o objetivo de tirar Luis Inácio da disputa pelo Planalto em 2018.
Para este mesmo segmento, a operação da Lava Jato é um instrumento de manipulação midiática da opinião pública e é seletiva sobre quem irá punir. As prisões de ex-ministros petistas e de políticos de partidos aliados, além de empresários que muito ganharam nos governos Lula e Dilma, seriam uma prova incontestável dessa seletividade.
Por outro lado, temos os fiéis do juiz Sérgio Moro. Alçado a condição de herói nacional, o magistrado é visto como salvador da pátria, presidenciável até por alguns, e o homem que entrará para a história como o algoz do Partido dos Trabalhadores nos esquemas de corrupção dos quais a legenda é acusada.
Para esse segmento, Lula chefiou o maior esquema de corrupção da história da nação, beneficiou empreiteiros e outros setores empresariais e a si próprio, como nos famosos casos do triplex no Guarujá e o sítio em Atibaia.
O primeiro grupo vê Lula como a maior liderança política do país, o único capaz de tirar o país da crise e acabar com o que caracterizam como golpe. O segundo grupo enxerga o ex-mandatário apenas como um político corrupto que precisa ser punido. Dentro desse segundo grupo há ainda visões mais delirantes e sem sentindo algum que reproduzem discursos no estilo “Bolsonaro 2018”.
A opinião deste humilde colunista é que a realidade pode ser mais complexa do que concebe a vã filosofia de Facebook. O Lula condenado em primeira instância pela Lava Jato é produto de uma profunda crise no seio da elite política do país.
Nessa exótica receita, a realidade, cabem boa parte dos ingredientes postos na panela por mortadelas e coxinhas. Um setor político quer tirar Lula da eleição presidencial de 2018. Outro setor não quer. Um grupo pretende usar a Lava jato de forma seletiva. Outro não. E assim vão se polarizando as posições.
O fato é que o cabo de guerra para onde vai a conjuntura política está em aberto. Há uma disputa na superestrutura a qual acabamos reproduzindo do alto dos debates, de forma enviesada e desvencilhada de seus reais objetivos. Essa, definitivamente, parece ser uma disputa que não é pelos debaixo, mas para ver quem se salva da “sangria” e quem pode tocar o barco da nação após o vendaval da Lava Jato.
O ex-presidente Lula é parte central dessa crise. Não por representar uma ameaça para o sistema capitalista no país, como o pensamento mais extremo à direita reproduz de forma ilógica.
Digo que esse raciocínio não se fundamenta na realidade porque nos governos petistas uma agenda de bondades para o setor privado foi assegurada. É o próprio Lula quem diz que “nunca antes na história desse país, os banqueiros lucraram tanto”.
Da Carta ao Povo Brasileiro, assinada durante a campanha de 2002, que previa o respeito aos contratos internacionais, passando pela primeira reforma da previdência, as obras do PAC, da Copa do Mundo e das Olimpíadas, e os leilões de petróleo, como o do Campo de Libra por exemplo, vimos claramente nesses casos que Lula não é bem o que seus seguidores dizem e nem o que a extrema direita saliva quando comenta nas redes sociais.
Pedindo licença para um neologismo, “impossivelmente” Lula se chegar a um terceiro mandato deverá acabar com as reformas em curso apresentadas pelo governo Temer. Seu currículo na presidência e seu silêncio sobre o assunto deixam isso claro como a luz do dia, menos para os mais ingênuos.
Concluo essas divagações despretensiosas sobre o cenário político apontando que, desse paradoxo de informações, há um Lula real. Ele é parte do que os discursos favoráveis e contrários diz e ao mesmo tempo não o é.
Porém, mais importante que isso é que o presente e o horizonte parecem ser de uma grande “noite política” a qual a direita e a esquerda são reféns e parecem se negar a buscar amanhecer. A crise política parece estar cansando a população. Esperamos que desse cansaço surja algo novo que faça jus a indignação que pusemos nas ruas num já distante junho de 2013. Como já diria Belchior, “o novo sempre vem”.