MANOEL DO VALE
Na sexta anterior a votação do processo de impeachment da presidente da república, o Palácio do Planalto recebeu o governador do Amapá juntamente com mais algumas autoridades e parlamentares da bancada federal para a assinatura do decreto que repassou 4,5 milhões de hectares de terras da União para o domínio do estado.
Segundo o representante da Comissão Pastoral da Terra, Padre Cisto, a assinatura do decreto se deu em troca dos votos da bancada amapaense contra o impeachment da presidente Dilma Rousseff, que no final das contas não acabou servindo para muita coisa.
Mas a assinatura do decreto acendeu o sinal de alerta das organizações civis que compõem o Fórum de Acompanhamento de Conflitos Agrários (Facade), que na tarde de ontem, 5, protocolou um documento exigindo a suspensão da assinatura do decreto sob a alegação de que a sociedade civil precisa acompanhar este processo de transferência de terras para que os pequenos agricultores, comunidades quilombolas e o próprio meio ambiente não sofram as perdas que o mesmo anuncia.
“A gente não sabe sequer quais são as terras, quais os processos que correm no Instituto de Meio Ambiente e de Ordenamento Territorial do Amapá (Imap), os pedidos, quantas licenças foram disponibilizadas”, reclamou o representante do Movimento Mãos Limpas, Edinaldo Batista, acrescentando que a atuação conjunta dos Ministérios Públicos Estadual e Federal, uma das exigências do documento protocolado, é decisiva para garantir o acesso à informação do que acontece no Imap para que se possa realizar o controle social.
No documento entregue aos procuradores Tiago Cunha e Filipe Lucena, o Facade denuncia que “o Programa Terra Legal, coordenado até 2014 pelo atual presidente do Imap, na contramão da legislação vigente, concedeu títulos de posse, realizou georreferenciamento fomentando a sobreposição de loteamentos em área da Floresta Estadual do Amapá (Flota). Laudos realizados pela Secretaria de Meio Ambiente do Estado (Sema), Instituto Estadual de Florestas (IEF) e IMAP indicam que a maioria das áreas não são ocupadas, ou não eram à época da criação da Flota”.
Algumas áreas foram autuadas devido a ações de desmatamento e preparo de solo para plantio de soja. Foram apuradas pelo IEF, 109 processos com certidões de posse emitidas pelo referido servidor público, com áreas variando de 80 a 600 hectares, totalizando mais de 4.000 hectares. Algumas das posses foram atribuídas a cidadãos residentes de outros estados, contrariando a Lei 11.952//2004, que condiciona a comprovação do exercício de ocupação e exploração direta, mansa e pacífica, por si ou por seus antecessores.
No entanto, outro ponto que preocupa no decreto é quanto ao que preconiza e prevê a exclusão e titulação dos territórios quilombolas que não tenham seus laudos antropológicos (delimitação de terras e identificação das comunidades) no período de 20 meses. Prazo completamente incompatível, segundo os representantes da sociedade civil.
Para o representante da Pastoral da Terra, o projeto do governo está mais focado em facilitar a entrada no estado do agronegócio, em detrimento das comunidades tradicionais e pequenos agricultores, que aos poucos vem sendo retirados de suas terras para engrossar o cinturão de pobreza em Macapá e o consequente aumento da violência.
Esta não é a primeira vez que a sociedade civil provoca o Ministério Público Federal a agir diante dos conflitos de terra que correm no Amapá. Os próprios procuradores reconheceram isso e garantiram que o pedido de suspensão será analisado para que se encontre uma brecha jurídica que a possibilite.
Segundo o procurador Ricardo Negrini, o decreto assinado pela presidente não anula as investigações que já estão em curso sobre a questão da grilagem de terras no Amapá. “A representação vem trazer novos elementos e reforça o nosso trabalho”, concluiu.