Time feminino foi trancado em arena para não treinar, lembra dirigente

O Portal SN conversou com atletas e organizadoras das duas equipes, que lutam contra o preconceito e já têm conquistas na vida esportiva e na vida pessoal
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Reportagem especial, por MARCO ANTÔNIO P. COSTA

O Estrelas Futebol Clube foi fundado há oito anos e é um fenômeno de títulos no futebol profissional feminino no Amapá. Ainda em processo de legalização, jogou o campeonato estadual de 2018 e outras competições sob o escudo de outros clubes. Foi assim que chegaram ao vice-campeonato estadual, perdendo a final na disputa de pênaltis, após um empate por 1 x 1 no tempo normal.

Se o título bateu na trave no estadual, o mesmo não acontece com os torneios das arenas de bairro. O Estrelas já venceu 16 campeonatos, chegando a um nível invejável de profissionalismo. O grau de empenho nos treinamentos e a dedicação das dirigentes, do corpo técnico e das jogadoras, já até provoca algum incômodo em algumas equipes rivais e chegou ao limite de terem a inscrição negada em alguns torneios por conta do nível de futebol que conseguem apresentar.

Meninas do Estrelas: em 8 anos, equipe coleciona títulos. Fotos: arquivo pessoal

Mas o Estrelas não é lugar para soberba, ao contrário.

“A gente tem humildade e nós temos tantos desafios pela frente que eu peço para os demais times que a tenhamos cada vez mais união. Cada menina sabe o que enfrentou e enfrenta para jogar bola, e é esse o conselho que dou para quem está começando: não deixe que interfiram no que você quer fazer, se você quer ser jogadora enfrente os desafios”, declarou a estudante de educação física e capitã do time, Kalline da Silva de Jesus, 30 anos, uma volante que faz muitos gols de cabeça.

Danielle Cordeiro, técnica e atleta: muita coisa precisa mudar. Foto: Marco Antônio P. Costa/SN

Nenhuma das jogadoras profissionais vive de futebol. São estudantes, comerciárias, autônomas dentre outras atividades. Muitas delas já são mães e casadas.

“Para o futebol feminino avançar, precisamos que a federação [Federação Amapaense de Futebol/FAF], os clubes e os empresários tenham mais empenho, apoiem mais. Nesse sentido, é igual ao futebol masculino. Mas conosco tem uma diferença enorme para os homens: na nossa equipe já houve casos, em outras equipes também, de meninas que tiveram que parar de jogar porque os maridos ou namorados não aceitavam a situação ou não conseguiam acompanhar”, revelou a técnica e atleta da equipe, Danielle Cordeiro, 35 anos, que é autônoma.

“Nós temos um técnico junto comigo e ele, quando está na roda de amigos, é muito zoado, lhe perguntam porque fica lá metido com aquelas sapatão macho-fêmea e outras coisas do tipo. Já aconteceu mais, eu vejo que há avanços, mas ainda tem muita coisa pra mudar”, ponderou. 

Atletas do projeto Divas trabalhando em mutirão na arena

Além dos planos de aquisição de uma Kombi, que a presidente do Estrelas, Rosi Monteiro, 36 anos, mostrou as fotos cheia de empolgação, o time segue focado nos treinamentos, está viabilizando sua legalização e seguirá disputando os campeonatos das arenas até o campeonato amapaense.

Divas

O Divas é outro time de futebol e deu tão certo, que virou um projeto. A finalidade inicial era apenas jogar uma bola por lazer e entretenimento. Algo despretensioso, sendo formado por mulheres consideradas veteranas, na casa dos 30 anos. Mas foi aí que as dirigentes Sara Almeida e Dayanne Coutinho, presidente e vice do Divas, respectivamente, se depararam com a realidade da maioria das mulheres que integravam a equipe e algo lhes despertou.

Sonhos não concretizados, desemprego, e em outros casos até risco social, e mulheres em condições de vulnerabilidade. Daí para se envolver com a história de vida foi um passo. Ao mesmo tempo, as envolvidas com o time perceberam como o futebol lhes ajudava a elevar a autoestima e a atitude em relação ao próximo e ao meio em que vivem. Assim nasceu o projeto Divas, que acontece no Bairro Universidade, na Arena do Zerão.

Divas passou de atividade de lazer a projeto

O projeto visa estimular a qualidade de vida, promoção da saúde da mulher, o cuidado do meio em que atuam, ou seja, responsabilidade social e ambiental e no estímulo para que essas mulheres se destaquem no mercado e em casa.

E tudo começou pela própria arena. Reforma do banheiro, pintura, limpeza, poda das árvores, tudo realizado pelas próprias jogadoras que colocaram a mão na massa, com o apoio de várias pessoas, empresas, políticos e da prefeitura.

Entretanto, nem tudo foi simples e houve resistência.

“As arenas de futebol são ambientes predominantemente masculinos e não só as Divas, mas todas as equipes femininas sofrem constrangimento. Já houve vezes de chegarem as vias de fato e também agressões verbais. Muitos homens dizendo que a arena não é lugar de mulher, que nós chegamos para bagunçar o horário deles e essas coisas. Até uma vez em que nos trancaram dentro da arena com o intuito de nos amedrontar. Acionamos o poder público, prefeitura, guarda municipal e até a polícia para nós termos o direito de utilizar a arena. Vivemos o preconceito e a rejeição, mas esse momento foi bem importante para nos fortalecer e nos unir ainda mais”, relata a presidente do Divas, Sara Almeida.

Arena onde equipe treina, no bairro Zerão

Conquistas

Outro momento de destaque foi a realização de um festival no Dia das Crianças, no ano de 2016, em que centenas de crianças da comunidade participaram de uma grande festa feita pelo time com o apoio da comunidade. Em 2017 realizou-se a “Super Copa Rosa”, que acabou sendo um dos maiores torneios do futebol amador no Amapá.

Mas foi em 2018 que o projeto deu seu passo mais contundente. A proposta de ajudar as mulheres a conquistarem sua autonomia e liberdade foi concretizada. O projeto conseguiu patrocinar cinco mulheres, cinco “divas”, para o curso de arbitragem de futebol. As cinco se formaram e em 2019 uma delas, no dia 08 de março, no Dia Internacional da Mulher, Cristiane Mendes, conseguiu aprovação como árbitra assistente da CBF, o que é um grande orgulho para todo o projeto. As outras seguem no mesmo caminho, com os mesmos objetivos.

Projeto ajuda a melhorar auto estima de mulheres pelo futebol

“Uma delas chegou a mencionar para mim que nunca soube na vida o que era ter uma carteira assinada, receber um salário fixo, e hoje a Alcione Benjamin, essa outra diva, trabalha contratada pela Secretaria de Esportes e está apitando os jogos desses torneios que a prefeitura organiza. É uma felicidade muito grande, retorno maior não tem. O projeto começa a ajudar, mas o mérito todo é de cada mulher, elas vão atrás e conseguem.”, falou emocionada Sara.

A partir da determinação da Confederação Sulamericana de Futebol (Conmebol), de obrigatoriedade de um projeto ativo de futebol feminino, alguma coisa pode mudar no futebol profissional amapaense.

Seles Nafes
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