Quando a geografia do lugar ganha eco

O geógrafo Gutemberg de Vilhena Silva fala da importância do conhecimento regional e compromisso para elaboração de políticas públicas
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Por GUTEMBERG DE VILHENA SILVA, geógrafo

Um dos grandes ensinamentos que a formação como geógrafo nos proporciona é: conhecer as realidades dos lugares que se quer atuar. É o primeiro e grande passo para projetos bem-sucedidos. Não por acaso! Compreender as peculiaridades sociais, com suas mazelas e virtudes carregadas de energia e possibilidades a partir do olhar dos que vivem tudo isso, é a melhor e mais importante base para se construir políticas públicas adequadas que realmente atendam às necessidades do lugar.

No início de setembro de 2021, tive a oportunidade de compor equipe expedicionária pelo sul do Amapá por meio de um barco entre Santana e Laranjal do Jari (ver Mapa 1). A expedição foi organizada pelo geógrafo e ex-prefeito de Macapá Clécio Luís, como parte do projeto intitulado “Pelo Amapá Inteiro”, uma iniciativa cujo objetivo é conhecer a realidade e, em especial, as necessidades de políticas públicas dos 16 municípios do Amapá com um olhar “por dentro” de cada um deles.

Em todo o trajeto, percorremos cerca de 260 km com paradas frequentes em pequenas comunidades muito representativas da força e da potência ribeirinha. Do ponto de vista das conexões, um dos grandes ensinamentos da expedição é que há uma vinculação muito forte das comunidades visitadas com Santana pelo curso do Rio Amazonas, já que esta cidade é ponto de abastecimento de mercadorias de primeira necessidade como alimentos e vestuário, além de combustível, fundamental para o deslocamento das pessoas através de suas embarcações, e – em contrapartida – é também polo de distribuição de produtos das comunidades com destaque para o açaí, a castanha e a farinha.

Esses produtos são extraídos por populações tradicionais de maneira sustentável, sobretudo no perímetro que compreende a Reserva Extrativista do Rio Cajari, uma Unidade de Conservação de Uso Sustentável criada em 1990.

Em se tratando de uso de tecnologias modernas para políticas públicas, foi possível observar duas iniciativas: o projeto Sanear Amazônia; e o uso de placas de energia solar.

No primeiro caso, o uso de tecnologia permitiu conceder acesso a água potável para várias comunidades por meio da captação e distribuição de água de chuva. No segundo, o foco foi a geração de energia limpa através do uso de placas solares. Ambas foram fundamentais para dar qualidade de vida a inúmeras famílias no litoral sul do Amapá.

Outro destaque que salta aos olhos a partir da expedição é o imensurável potencial turístico do trajeto percorrido. São inúmeras as maneiras que poderíamos elencar, mas aqui destacaríamos a criação de uma rota de barco turístico frequente entre Santana e o Laranjal do Jari, favorecendo a geração de renda das comunidades ribeirinhas, pondo em destaque a região e com isso ampliando o espectro de possibilidades de renda para as famílias que lá residem.

Maranata: uma das comunidades ribeirinhas de Mazagão atendidas com energia solar

Cisternas do Sanear Amazônia

A expedição possibilitou reconhecer um pouco mais a imensidão da Amazônia, suas belezas e a magia das comunidades tradicionais, ao mesmo tempo que a inserção de tecnologias modernas e formas de aproveitamento sustentável da natureza, seja para a produção econômica, seja para tratamento de água e geração de energia, permitiu vislumbrar ações reais e de forte impacto para o cotidiano das famílias e comunidades beneficiadas.

A força do lugar ganha eco quando há compromisso social na implementação de políticas públicas. Observar um pouco do passado, do presente e de como pensar um futuro sustentável e economicamente viável para a região é uma tarefa que os geógrafos sabem muito bem que apenas será possível se as iniciativas a serem implementadas estiverem em estreita sintonia com as principais necessidades das famílias que serão afetadas.

Doutor Gutemberg de Vilhena Silva é professor do curso de Relações Internacionais da Universidade Federal do Amapá. Email: [email protected]

 

Seles Nafes
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