Navios de passageiros: queremos?

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Por RICARDO FALCÃO, vice-presidente mundial da Praticagem
Um olhar mais atento sobre a indústria de navios de passageiros nos traz debates interessantes e que são necessários para termos a verdadeira dimensão deste setor. O primeiro ponto que precisamos deixar claro é que essa indústria funciona voltada para si mesma, e não para desenvolver o turismo de uma região.

O navio é, na verdade, o usuário de uma região e é, em si, um grande atrativo com suas diversões, restaurantes e estrutura hoteleira, que atraca defronte aos hotéis e restaurantes disponíveis nas cidades. Em resumo, estamos tratando de um grande concorrente do setor de turismo local.

Esta estrutura flutuante oferece a hospedagem, com ambiente refrigerado, atendentes em várias línguas, FREE SHOPPING, vende uma lata de coca-cola a 8 reais, pratos refinados e, tudo isso, sem pagar impostos sobre esta operação na região que está utilizando. E exatamente defronte à ela, ficará o setor de turismo no qual o empresário local, que paga impostos, emprega brasileiros e desenvolve a sua região tenta prosperar.

Quando pensamos nos cidadãos Tucujus, que vão desenvolver nossa estrutura de turismo com muita coragem e em um ambiente empresarial nacional tão adverso de carga tributária, leis trabalhistas, conta de energia cara, dentre outros desafios, percebemos enormes desvantagens.

Restaurante dentro de um cruzeiro: tudo vendido sem recolhimento de impostos

O navio de passageiros venderá produtos e serviços que foram adquiridos no mercado internacional, com isenção de impostos proporcionada por alguns países, e comprará, no exterior, roupas de cama, bebidas, cigarro, refrigerantes, jóias, perfumes e, ainda, utilizará a mão de obra mais barata possível que não é a brasileira.

Quando lemos atentamente a “Análise do Mercado de Cruzeiros Marítimos”, escrita pelo Ricardo Amaral, que foi o presidente da Associação Brasileira de Cruzeiros Marítimos, vemos claramente que esta é uma indústria que opera com cerca de 54% de margem de lucros no mundo todo e que não possui fidelidade com ninguém, pois orienta seus navios para onde este lucro for maior.

Isto significa que, mesmo que gastemos milhões construindo um porto público, com dinheiro da nossa sociedade, as companhias de navegação não possuem nenhum compromisso em trazer qualquer quantidade de navios ou manter regularidade de escalas.

Muitos dos números que estes empresários apresentam de lucro para as cidades utilizadas como escala são devido ao uso de táxis e compra de artesanato, sempre assumindo-se a premissa que todos os passageiros teriam desembarcado, o que não é uma realidade devido à muitos escolherem os prazeres e restaurantes disponíveis à bordo.

Companhias não possuem o compromisso de manter regularidade dos navios

Os movimentos mais recentes, divulgados em publicações especializadas, mostram que devido à expansão muito grande da China neste setor, diversos navios do mundo todo foram destinados para este mercado, mesmo desabastecendo o nosso.

O mercado brasileiro, hoje, sofre forte ação de propaganda, onde a mesma relata retração, devido aos altos custos no Brasil. Porém, na verdade, os navios estão navegando muito cheios, mas em menor quantidade e menos leitos oferecidos.

Estive no Chile, em 2013, na SEATRADE, que á a feira mundial do setor. Assisti ao discurso do CEO para as autoridades locais. Ele agradecia a diminuição do valor cobrado pela taxa de faróis, concedida naquele ano, onde a primeira escala do navio teria redução de 20%, a segunda de 40% e a terceira de 80%.

O mesmo enfatizou longamente o quanto isto representava para eles e, no final, publicamente pleiteou que todas as escalas tivessem a redução de 80%! Toda vez que há subsídio para uma atividade privada, significa que dinheiro público vai cobrir a conta. Ou seja, o dinheiro de cada cidadão, pois esta é uma situação que acompanho no mundo todo como Vice-Presidente da International Maritime Pilots’ Association, e é uma indústria tão mesquinha que é capaz de diminuir o tamanho do sabonete para economizar centavos ao final de uma viagem.

Turista é recebido em porto no Amazonas: taxistas e artesanato são únicos beneficiados. Foto: Jornal A Crítica

Outros problemas também pesam para este setor pois, apesar de terem seus cascos pintados de branco, encantando à todos com uma aura de glamour e sofisticação, estes navios enfrentam dificuldades no mundo todo, onde muitos já pagaram milhões de dólares por conta de poluição.

Estamos falando de sewage (esgoto comum), também conhecido como black water, que geralmente significa os dejetos humanos e de banheiros, tais como xampu, sabonete, restos de atendimentos médicos, sangue, etc.

Há também restos de água misturada com óleo, micro-organismos e diversos outros dejetos que são lançados na água. Dependendo do tipo de dejeto, há uma distância mínima obrigatória de afastamento da costa, aliada à um tipo de tratamento que a MARPOL, Convenção Internacional para a Prevenção da poluição de Navios, recomenda. 

Porém, há uma especificidade no nosso Rio Amazonas: ao invés de estarem há poucas horas de distância da linha da costa, eles estão dias adentro do nosso país e os dejetos lançados na água descem as águas e passam na frente de Macapá. O normal é existir nos portos estrangeiros uma estrutura de coleta e de tratamento destes produtos pois os navios não possuem tanques grandes o suficiente para armazená-los por muitos dias.

Alguns navios despejam os dejetos dos banheiros na água sem qualquer tratamento

A conclusão é que estes navios podem até fazer algum sentido quando falamos de locais onde a estrutura de turismo já é madura e consolidada o suficiente para que os navios de passageiros sejam um componente a mais; ou onde simplesmente nada há, tendo-se a certeza de que eles não poluirão. Para nós, que precisamos desenvolver nossa estrutura e que queremos caminhar para o progresso do setor, é preciso avaliar muito bem onde concentraremos os poucos recursos disponíveis tanto pelo governo como pelos empresários.

Mas, devemos ter este debate bem definido, tanto em Macapá como em Santarém e em Manaus, três pontos onde o navio que quiser utilizar o Rio Amazonas tenha onde descarregar poluentes para serem tratados.

O porto de Santana lida, eventualmente, com o setor e possui uma área mais abrigada para a manobra destes navios, que são muito influenciados pelo vento com a sua área acima da linha d’água.
Caso queiramos e tenhamos o devido cuidado, Santana é o local ideal para se discutir uma região de navios de passageiros pois as estruturas necessárias de recepção conseguiriam ser instaladas no espaço disponível.

Na sequência, tratarei de outros atrativos a serem explorados pela região de Santana.
Leia mais sobre o assunto:

Poluição Navios de passageiros

Tradução Cruise Ship Pollution-Susan Orig

TRADUÇÃO CRS Report

Seles Nafes
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