Editoral: Bicho de 7 Cabeças

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Uma dúzia de tijolos, meio saco de cimento, um balde de areia, e muita vontade de fazer alguma coisa. Em 15 minutos foi tudo resolvido. O gesto simples, mas enormemente representativo, foi de policiais do 6º Batalhão da gloriosa Polícia Militar do Amapá. Eles selaram, literalmente, um covil de usuários de crack e assaltantes que atuavam livremente na orla de Macapá e Centro Comercial há vários anos. Roubavam, e depois se escondiam no “albergue” que cheirava à fossa sanitária.  A iniciativa dos “guerreiros” ou “stives” (como são chamados nas redes sociais), foi uma clara demonstração de que às vezes os problemas só são duradouros quando o poder público parece querer que sejam. Nem tudo, afinal, é um “Bicho de 7 Cabeças”.

Dia 6 de janeiro: usuários são retirados após furto em quiosque da Beira-Rio

Dia 6 de janeiro: usuários são retirados após furto em quiosque da Beira-Rio. Fotos: Arquivo

O buraco estava lá, aberto há anos, debaixo de uma sorveteria na cabeceira do Trapiche Eliezer Levy. Já parecia parte da paisagem. Também tinha jeito de lar para usuários de crack, que volta e meia fazem assaltos e pequenos furtos. Visitantes, donos de quiosques e comerciantes são as maiores vítimas. Para as famílias que frequentam a orla, era estranho ver “molambos” humanos com aparência de zumbis, entrando e saindo daquele lugar que sempre exala um forte odor de fezes e urina.

Era difícil acreditar, mas o lugar servia de casa para pelo menos 10 moradores, entre eles uma mulher de pouco mais de 20 anos que fugiu de casa porque os pais a proibiam de fumar crack.  Preferiu morar com o namorado no albergue do trapiche.

Em janeiro, o buraco foi o primeiro lugar visitado por policiais depois que a dona de um restaurante acusou o furto de um televisor. Lá estava o aparelho (48 polegadas) que quase não saiu de dentro do buraco devido ao tamanho. Todos foram levados para a delegacia, mas dias depois os “hóspedes” estavam de volta, e não demoraram para cometer novos crimes. Esta semana os policiais voltaram ao buraco depois que uma loja na Rua São José foi arrombada por ladrões que levaram cerca de 100 relógios da vitrine. E lá estavam, de novo no buraco, as mercadorias furtadas.

Primeiro os policiais jogaram uma bomba de efeito moral dentro do buraco. Pareciam baratas fugindo do veneno. Um dos ladrões se chegou nas águas do Rio Amazonas e conseguiu enganar a polícia. Fez jus ao apelido: “Pato”.  

O que se espera naturalmente do poder público é o atendimento das nossas demandas, afinal é para isso que vamos às urnas. O problema é que isso nem sempre acontece na velocidade que precisamos, e às vezes nem acontece.

Atitude que resolve

Atitude que resolve

 

Tampar o buraco pode não acabar com os assaltos e furtos na orla, mas dificulta a atuação dos criminosos que também necessitam de uma intervenção rigorosa do Estado. Eles precisam ter a oportunidade de se desintoxicar, de sair do transe permanente gerado pelo consumo constante de drogas. A maioria ali já perdeu o controle sobre as vontades, a noção do certo e o errado, e a certeza de que é possível vencer, apesar das adversidades.

O buraco pode ser reaberto pelos próprios marginais, o que é bem provável que ocorra. O que não pode acontecer é o poder público continuar achando que todo problema é um “bicho de sete de cabeças”. Como diz a música dos Titãs, às vezes “as ideias estão no chão”.

Seles Nafes
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